segunda-feira, 23 de maio de 2011

O BEM COMUM, O HUMANISMO E OS DIREITOS HUMANOS

O tema posto em análise é complexo. Denota 03 divisões: o bem comum, o humanismo e os direitos humanos. Analisados em conjunto, provavelmente nossa tarefa fique mais fácil e o entendimento seja mais abrangente.


                            Na mensagem de celebração do Dia Mundial da Paz, em 01 de janeiro de 1999, o Papa João Paulo II teceu o seguinte comentário:


                            “Por ocasião do Dia Mundial da Paz, gostaria de partilhar convosco   esta minha convicção: quando a promoção da dignidade da pessoa é o princípio orientador que nos inspira, quando a busca do bem comum constitui o empenho predominante, estão a ser colocados alicerces sólidos e duradouros para a edificação da paz. Ao contrário, quando os direitos humanos são ignorados ou desprezados, quando a procura de interesses particulares prevalece injustamente sobre o bem comum, então inevitavelmente está-se a semear os germes da instabilidade, da revolta e da violência”.



                            O humanismo é uma doutrina que se coloca expressamente numa perspectiva antropocêntrica: analisa o homem como centro da humanidade. As primeiras referências acerca do humanismo surgiram na Antiguidade, na Grécia Antiga. Sócrates, por exemplo, baseava todas as suas idéias nos problemas humanos, desenhando qual o melhor modo de vida para o homem. O homem somente agiria mal por ignorância. Diferentemente dos sofistas, Sócrates considerava que a capacidade de discernir o certo do errado estava na razão das pessoas e não na sociedade.



                            O humanismo cristão é nada mais do que o respeito incondicional à integridade humana, em todos os sentidos: físico, mental e espiritual. Jacques Maritain ensina que a promoção do humanismo é o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens. Paulo VI, inspirado no pensamento de Maritain, desenvolveu a Encíclica Populorum Progressio. É o humanismo o resgate do contexto humano, o respeito ao homem em todo o seu conjunto, em toda a sua formação.



                            Os Estóicos afirmavam que a procura de uma moral deveria ser feita através da observação da natureza, para se encontrar a justiça universal, presente nas leis naturais e que seria compreensível por todos os homens, sendo que as leis humanas seriam mera simetria da lei natural. O conceito de Humanismo, como conceito onde o homem ocupa um ponto central em termos filosóficos, foi pela primeira fez referido por Cícero, que pronunciou a célebre frase humanista "para a humanidade, a humanidade é sagrada".



                            No Renascimento, a idéia humanista toma um rumo um pouco diferente. Colocou-se aqui a importância de se viver a vida com prazer. Leonardo Da Vinci retratou o gênero humano por diversas vezes – virou tema central de sua obra, como o retrato da Última Ceia, A Monalisa, o Homem Vitruviano, entre outros.



                            Importante o pensamento de Jacques Maritain para o humanismo, in “O Humanismo Integral”:



                            “O humanismo (...) tende essencialmente a tornar o homem mais verdadeiramente humano, e a manifestar sua grandeza original fazendo-o participar de tudo o que pode enriquecê-lo na natureza e na história (concentrando o mundo no homem e dilatando o homem ao mundo); ele exige, ao mesmo tempo, que o homem desenvolva as virtualidades nele contidas, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe por fazer, das forças do mundo físico, instrumento de sua liberdade”.



                            O humanismo descreve e interpreta a realidade social, refletindo sobre as causas que levaram à sua manifestação e procura, a partir de uma análise da natureza do homem. Este nasce em meio a uma realidade terrena, realidade esta pela qual não optou. Desta forma, o ser humano nasce em meio a um mundo social onde, antes dele e da manifestação de seu eu, já ocorre violência física e espiritual, que acarreta o sofrimento. Cabe ao homem buscar as soluções para dirimir os fatores agressivos que originam tais vícios. É o homem dotado de capacidade de escolha, liberdade que lhe permite seguir entre o bem ou o mal. Isto também é conhecido como livre arbítrio. O mal que permeia o mundo se manifesta a partir do momento em que o homem nega a liberdade natural de seu semelhante, manipulando sua essência livre visando satisfação de seus interesses pessoais em detrimento do bem comum.



                            Já o bem comum nada mais é do que a busca do bem de todos os homens, de todos os integrantes da raça humana, do gênero humano. O humanismo reconhece as condições de opressão que alguns seres humanos estabeleceram no mundo e percebe a necessidade de uma ética social, uma luta contra as causas desta opressão que geram o sofrimento no homem. A busca de toda atividade humana é o bem. Aristóteles in “Ética a Nicômaco”, ensina que “Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito , visam a algum bem”.



                            Como ensina Gabriel Chalita in “Os Dez Mandamentos da Ética”, o bem é a finalidade da ética, sendo que esta disciplina os meios para se atingir o bem. O verdadeiro fim da sociedade é o seu bem comum, o bem comum do corpo social, das pessoas humanas. Este bem comum é a boa vida humana do todo social, de cada ser formado por matéria e espírito.



                            O bem comum de um determinado grupo humano é sua comunhão no bem-viver; é comum ao todo e às partes. Sob pena de ir contra a própria natureza, o bem comum exige o reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas, e detém como valor principal a maior possibilidade de acesso das pessoas à liberdade intrínseca de cada um de se expandir e evoluir, bem como às manifestações do bem que por sua vez daí procede e se comunicam. Surge, a partir daí, um primeiro caráter essencial do bem comum, onde este implica numa redistribuição às pessoas e auxiliar o seu desenvolvimento. O segundo ponto básico do bem comum estabelece sua autoridade na sociedade.


                            Para que o bem comum esteja ao alcance de todas as pessoas humanas, faz-se necessário que alguns entes, em particular, sejam dotados de autoridade para conduzir as pessoas em direção deste bem comum. Esta autoridade, investida de poder pelo próprio povo, deve visar o bem de todos. O aspecto final diz respeito à moralidade intrínseca do bem comum, o qual se caracteriza pela retidão de vida e a integridade humana.



                            Conforme extraído de Gabriel Chalita, a justiça e o dever moral são fundamentais para a existência do bem comum, exigindo assim o desenvolvimento das virtudes nos seres humanos e, desta feita, todo ato político injusto e imoral é, por natureza, injurioso ao bem comum e politicamente mau.



                            Para o Humanismo Integral de Jacques Maritain, a base filosófica dos direitos humanos está em sua natureza e só é possível se compreenderem estes como expressões da lei natural, fundados na dignidade da pessoa humana, estabelecidos estes direitos numa hierarquia, tendo como primário o direito do homem à vida.



                            Os Direitos Humanos são o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, conforme explicita Alexandre de Moraes, in “Direitos Humanos Fundamentais”.



                            Definir direitos humanos é tarefa árdua. E mesmo que consigamos, sempre faltará algo. Os Direitos Humanos são, por essência, dinâmicos. Consagrar a dignidade da pessoa humana é a principal tarefa dos direitos humanos.



                            José Castan Tobeñas define direitos humanos como “aqueles direitos fundamentais da pessoa humana, considerada tanto em seu aspecto individual como comunitário, que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum”.



                            Em suma, o Cristianismo passa a professar a igualdade entre os homens, determinando a criação de uma comunidade espiritual entre os povos, o dever de ajuda e respeito mútuo, bem como o reconhecimento de que todo homem é pessoa.
A partir do Direito Canônico, a humanidade civilizada passa a se conduzir para a compreensão de que o homem não pode ser considerado objeto de propriedade. Com o passar do tempo, cada povo foi adotando uma lei de acordo com a realidade específica, mas igualmente incorporando os direitos que foram sendo conquistas da humanidade como um todo, pois os direitos humanos universais e os princípios universais de direitos humanos são aqueles que podem ser aceitos por todas as culturas.


                            Com o advento do período conhecido como Iluminismo, ocorre a expansão da noção dos direitos e das liberdades humanas. Começa a se seguir em direção à igualdade jurídica dos seres humanos. E a partir da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, ocorre a expressão primeira dos direitos, declarando a independência por um novo governo a ser formado pelas colônias unidas sob o princípio de que a tirania é inadequada para ser o governo de um povo livre.


                            Seguindo-se à declaração americana, a Revolução Francesa proclamou que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos, na Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração afirmava os princípios de igualdade e liberdade individual, a igualdade civil e fiscal, a isenção de prisão arbitrária, a liberdade de expressão e de imprensa, e o direito à propriedade privada. Em 1791, dois anos após a queda da Bastilha e baseada nestes princípios, a França acaba por abolir a escravatura negra. Consagra-se o princípio de que todo homem é sujeito de direitos e obrigações.


                            Face às terríveis violações dos direitos humanos ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial e à conclusão de que a proteção destes direitos não poderia ficar restrita à esfera interna de cada Estado, a ONU, em 1948, descreveu o significado de direitos humanos com a Declaração Universal de Direitos Humanos, elenco de direitos que tem sido adotado pela jurisprudência interna de alguns Estados ocidentais, entre eles o Brasil, cuja Constituição promulgada em 1988 tem a dignidade da pessoa humana como base de seus direitos e garantias fundamentais.



                            Aproveitamo-nos novamente dos dizeres do Papa João Paulo II:



                            “A dignidade da pessoa humana é um valor transcendente, como tal sempre reconhecido por todos aqueles que se entregaram sinceramente à busca da verdade. Na realidade, toda a história da humanidade deve ser interpretada à luz desta certeza. Cada pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-28) e por conseguinte orientada radicalmente para o seu Criador, está em relação constante com quantos se encontram revestidos da mesma dignidade. Assim, a promoção do bem do indivíduo conjuga-se com o serviço ao bem comum, quando os direitos e os deveres se correspondem e reforçam mutuamente”.



                            E segue:


                            “A defesa da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos é essencial para a construção duma sociedade pacífica e para o progresso integral de indivíduos, povos e nações. A afirmação desta universalidade e indivisibilidade não excluem, de fato, legítimas diferenças de ordem cultural e política na atuação dos diversos direitos, contanto que se respeitem em cada caso os níveis fixados pela Declaração Universal para a humanidade inteira”.



                            “A corrida vertiginosa para a globalização dos sistemas econômicos e financeiros torna patente a urgência de estabelecer quem deve garantir o bem comum global e a atuação dos direitos econômicos e sociais. É que o livre mercado, por si só, não consegue fazê-lo, uma vez que existem numerosas carências humanas que, de fato, não têm acesso ao mercado. « Ainda antes da lógica da troca de valores equivalentes e das formas de justiça que lhe são próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, em virtude da sua eminente dignidade »”.



                            Enfim, através dos estudos humanistas e seu aperfeiçoamento, chegou-se ao que hoje chamamos de Direitos Humanos, que nada mais visa do que a busca do bem comum, referendado pela proteção e perfazimento da dignidade da pessoa humana.

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