segunda-feira, 30 de maio de 2011

EXPOSIÇÃO DOS ARTIGOS 11 E 12 DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Esta foi uma singela apresentação que fiz acerca de dois artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), nos idos de 2006, para a conclusão da disciplina de Direitos Humanos Fundamentais, lecionada pelo Prof. Dr. Wagner Balera.

Mais tarde, convidado pelo Prof. Balera, escrevi os comentários de dois artigos da DUDH na obra "Comentários à Declaração Universal dos Direitos do Homem", cuja primeira edição foi publicada em 2009 pela Editora Fortium.

Agora, será lançada a segunda edição dos "Comentários à Declaração Universal dos Direitos do Homem", pela Editora Conceito Editorial, que vem se mostrando uma grande parceira e também publicará em agosto deste ano meu livro "FONTES DO DIREITO, HERMÊUTICA JURÍDICA E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS".

Deixo, por enquanto, este texto, muito singelo e despretencioso, porém feito com muito empenho. Abraços!

_______________________ 


Artigo XI. 1. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.



            O artigo 11 da Declaração (parte 1) fala de principalmente de dois princípios importantíssimos em qualquer sistema jurídico JUSTO: o princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência e o princípio da legalidade.

            José Afonso da Silva ensina que o princípio da legalidade é nota essencial do Estado Democrático de Direito. [1]

            Como já sabido, todos os princípios são “imbricados”... um traz o outro à tona. Tanto é assim, que o princípio da legalidade está indissociavelmente ligado ao princípio da igualdade, da igualdade de todos perante a lei. As pessoas sujeitam-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça, pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. 

            A lei nada mais é (ou deveria ser) a expressão da vontade geral. E para tanto, é necessária uma divisão de poderes. Como ensina, mais uma vez, José Afonso da Silva, o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada ais administrados, senão em virtude de lei. [2]

            A Declaração é destinada aos homens. Ela não possui barreiras, nem divisas, nem Estados. Aqui, quando falamos em “Estado”, nos referimos a todos os Estados, uma vez que a Declaração visa à humanidade.

            Nossa Constituição, em seu art. 5º, II, preceitua o princípio da legalidade, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. É o espírito e o sentido da Declaração dos Homens.

            Mirabete ensina que para garantir a justa e correta aplicação da lei penal são formulados outros princípios, entre nós consagrados entre os direitos e garantias fundamentais, previstos no art. 5º da Constituição Federal. [3] No mesmo art. 11 (parte 1) da Declaração encontramos o princípio da presunção de inocência, consignado no inciso LVII, do art. 5º da CF/1988, ipsis litteris:

            “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal             condenatória”.

            Este é princípio importantíssimo para o Direito Penal. Nos países que infelizmente possuíram uma Ditadura, seja militar, seja de qualquer outra forma, este era princípio esquecido. Para garantir o princípio do estado de inocência, é que existe o princípio do devido processo legal (já explicado quando da apresentação dos arts. 6º, 7º e 8º da Declaração), coma as garantias que lhe são inerentes, como a ampla defesa e o contraditório. É a idéia tirada do nosso sistema jurídico, e não é outra a idéia trazida pela Declaração.

            Também temos que nos portar ao princípio da publicidade dos atos estatais. O julgamento deve ser público, salvo exceções previamente previstas, que se façam necessárias ante o caso concreto (por exemplo, nas causas de família, onde temos o respeito à privacidade dos envolvidos).

            A Declaração, que não é lei no sentido formal do termo, mas sim um valor, exige que os Estados somente atribuam algo em virtude de lei, e que considere as pessoas até prova em contrário, garantindo uma defesa a contento para quem se veja em litígio. Vidal Serrano Júnior diz que o princípio da legalidade também obedece ao propósito de alcançar segurança jurídica. [4]   



            O artigo 11 (parte 2) fala sobre outros princípios tão importantes quanto os demais: o princípio da proporcionalidade e o da anterioridade. Deixemos claro que a Declaração não elegeu este ou aquele ramo do direito neste artigo. Não tutela somente o direito penal, como muitos pensariam a priori.

            O princípio da proporcionalidade é princípio constitucional implícito – art. 5º, XLVI, segunda parte, no sistema positivado brasileiro. Significa que as penas devem ser proporcionais a gravidade das infrações. Não se pode escolher um direito, um princípio em detrimento do outro: eles devem se auto-limitar, buscar um ponto de convivência entre ambos, especialmente no que tange aos direitos fundamentais da pessoa humana.

            André Franco Montoro ensina que passar do texto abstrato ao caso concreto, da norma jurídica ao fato real, é tarefa do aplicador do direito, seja ele juiz, tabelião, advogado, administrador ou contratante. E nessa tarefa, o primeiro trabalho consiste em fixar o verdadeiro sentido na norma jurídica e, em seguida, determinar o seu alcance ou extensão – que seria o trabalho da interpretação – esta feita, conforme se depreende dos ensinamentos de Montoro, de forma proporcional. [5] Enfim, exige-se uma proporção entre o desvalor da ação praticada pelo agente e a sanção a ser a ele infligida.

            Já o princípio da anterioridade (ex post factum), que no nosso sistema positivado pátrio é princípio constitucional expresso – art. 5º, XXXIX da CF e 1º do CP, quer dizer que somente poderá ser uma pessoa punida se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime.

            Este princípio é regulado pela máxima nullum crimen sine praevia lege. Somente poderá ser aplicada ao infrator pena que esteja prevista anteriormente na lei como aplicável ao autor do ilícito. Exige o princípio ora em análise que a lei defina abstratamente uma fato, ou seja, uma conduta determinada de modo que se possa reconhecer qual o comportamento considerado como ilícito.



            O artigo 12 da Declaração fala sobre o direito à privacidade (intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas), também protegidos pelo nosso sistema positivado, no art. 5º, X da CF/1988. José Afonso da Silva considera o direito à privacidade como uma direito conexo ao direito à vida. [6]

            O direito à intimidade é terminologia derivada do direito anglo-americano (right of privacy), abrangendo o direito à inviolabilidade do domicilio e o sigilo da correspondência. Assim como o direito à vida, estes são direitos supremos do homem, que garantem, ao final, nada mais do que a própria dignidade da pessoa humana, conexa ao direito à vida.

            A vida privada é a vida íntima da pessoa; são segredos e situações de foro íntimo que todos temos. É o direito do individuo de viver sua própria vida. Tércio Sampaio Ferraz Júnior fala em livre arbítreo. [7]

            A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o bom nome, a reputação. Acreditamos que a honra possui um aspecto mais interior que a reputação.

            Finalizando, são os direitos à personalidade de que trata o artigo 12 da Declaração. Não é demais ressaltar que privacidade e intimidade são coisas distintas. Direito de privacidade é o direito de ocultar do conhecimento alheio relações marcadas pela confidencialidade (relações familiares). Intimidade é direito de estar só para os Americanos; há um núcleo mais centrado; são espaços impenetráveis.
     



[1] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. Malheiros, São Paulo/2004. pág. 419.
[2] Silva, José Afonso da. Ob. Cit. pág. 419.
[3] Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22ª Edição. Atlas, São Paulo/2005. pág. 57.
[4] Júnior, Vidal Serrano Nunes & Araújo, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição. Saraiva. São Paulo/2005. pág. 123.
[5] Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 10ª edição, volume II. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo/1983. pág. 119.
[6] Silva, José Afonso da. Ob. Cit. pág. 205.
[7] Júnior, Tercio Sampaio Ferraz. Estudos de Filosofia do Direito. 2ª edição. Atlas. São Paulo/2004. pág. 87.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Visitas ao Blog nos meses de abril e maio de 2011: MUITO OBRIGADO!

AMIGOS E AMIGAS,

Continuem visitando o Blog! Utilizem livremente as informações dele, citando a fonte. O conhecimento é livre e deve ser utilizado para o bem das pessoas! MUITO OBRIGADO PELA CONFIANÇA!


Visualizações de página por país
Brasil 
1.508
Estados Unidos 
235
Argentina
 27
Portugal
 22
Japão
 18
Alemanha
 8
Suécia
7
Moçambique
 6
Angola
 5
Índia
 3

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O BEM COMUM, O HUMANISMO E OS DIREITOS HUMANOS

O tema posto em análise é complexo. Denota 03 divisões: o bem comum, o humanismo e os direitos humanos. Analisados em conjunto, provavelmente nossa tarefa fique mais fácil e o entendimento seja mais abrangente.


                            Na mensagem de celebração do Dia Mundial da Paz, em 01 de janeiro de 1999, o Papa João Paulo II teceu o seguinte comentário:


                            “Por ocasião do Dia Mundial da Paz, gostaria de partilhar convosco   esta minha convicção: quando a promoção da dignidade da pessoa é o princípio orientador que nos inspira, quando a busca do bem comum constitui o empenho predominante, estão a ser colocados alicerces sólidos e duradouros para a edificação da paz. Ao contrário, quando os direitos humanos são ignorados ou desprezados, quando a procura de interesses particulares prevalece injustamente sobre o bem comum, então inevitavelmente está-se a semear os germes da instabilidade, da revolta e da violência”.



                            O humanismo é uma doutrina que se coloca expressamente numa perspectiva antropocêntrica: analisa o homem como centro da humanidade. As primeiras referências acerca do humanismo surgiram na Antiguidade, na Grécia Antiga. Sócrates, por exemplo, baseava todas as suas idéias nos problemas humanos, desenhando qual o melhor modo de vida para o homem. O homem somente agiria mal por ignorância. Diferentemente dos sofistas, Sócrates considerava que a capacidade de discernir o certo do errado estava na razão das pessoas e não na sociedade.



                            O humanismo cristão é nada mais do que o respeito incondicional à integridade humana, em todos os sentidos: físico, mental e espiritual. Jacques Maritain ensina que a promoção do humanismo é o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens. Paulo VI, inspirado no pensamento de Maritain, desenvolveu a Encíclica Populorum Progressio. É o humanismo o resgate do contexto humano, o respeito ao homem em todo o seu conjunto, em toda a sua formação.



                            Os Estóicos afirmavam que a procura de uma moral deveria ser feita através da observação da natureza, para se encontrar a justiça universal, presente nas leis naturais e que seria compreensível por todos os homens, sendo que as leis humanas seriam mera simetria da lei natural. O conceito de Humanismo, como conceito onde o homem ocupa um ponto central em termos filosóficos, foi pela primeira fez referido por Cícero, que pronunciou a célebre frase humanista "para a humanidade, a humanidade é sagrada".



                            No Renascimento, a idéia humanista toma um rumo um pouco diferente. Colocou-se aqui a importância de se viver a vida com prazer. Leonardo Da Vinci retratou o gênero humano por diversas vezes – virou tema central de sua obra, como o retrato da Última Ceia, A Monalisa, o Homem Vitruviano, entre outros.



                            Importante o pensamento de Jacques Maritain para o humanismo, in “O Humanismo Integral”:



                            “O humanismo (...) tende essencialmente a tornar o homem mais verdadeiramente humano, e a manifestar sua grandeza original fazendo-o participar de tudo o que pode enriquecê-lo na natureza e na história (concentrando o mundo no homem e dilatando o homem ao mundo); ele exige, ao mesmo tempo, que o homem desenvolva as virtualidades nele contidas, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe por fazer, das forças do mundo físico, instrumento de sua liberdade”.



                            O humanismo descreve e interpreta a realidade social, refletindo sobre as causas que levaram à sua manifestação e procura, a partir de uma análise da natureza do homem. Este nasce em meio a uma realidade terrena, realidade esta pela qual não optou. Desta forma, o ser humano nasce em meio a um mundo social onde, antes dele e da manifestação de seu eu, já ocorre violência física e espiritual, que acarreta o sofrimento. Cabe ao homem buscar as soluções para dirimir os fatores agressivos que originam tais vícios. É o homem dotado de capacidade de escolha, liberdade que lhe permite seguir entre o bem ou o mal. Isto também é conhecido como livre arbítrio. O mal que permeia o mundo se manifesta a partir do momento em que o homem nega a liberdade natural de seu semelhante, manipulando sua essência livre visando satisfação de seus interesses pessoais em detrimento do bem comum.



                            Já o bem comum nada mais é do que a busca do bem de todos os homens, de todos os integrantes da raça humana, do gênero humano. O humanismo reconhece as condições de opressão que alguns seres humanos estabeleceram no mundo e percebe a necessidade de uma ética social, uma luta contra as causas desta opressão que geram o sofrimento no homem. A busca de toda atividade humana é o bem. Aristóteles in “Ética a Nicômaco”, ensina que “Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito , visam a algum bem”.



                            Como ensina Gabriel Chalita in “Os Dez Mandamentos da Ética”, o bem é a finalidade da ética, sendo que esta disciplina os meios para se atingir o bem. O verdadeiro fim da sociedade é o seu bem comum, o bem comum do corpo social, das pessoas humanas. Este bem comum é a boa vida humana do todo social, de cada ser formado por matéria e espírito.



                            O bem comum de um determinado grupo humano é sua comunhão no bem-viver; é comum ao todo e às partes. Sob pena de ir contra a própria natureza, o bem comum exige o reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas, e detém como valor principal a maior possibilidade de acesso das pessoas à liberdade intrínseca de cada um de se expandir e evoluir, bem como às manifestações do bem que por sua vez daí procede e se comunicam. Surge, a partir daí, um primeiro caráter essencial do bem comum, onde este implica numa redistribuição às pessoas e auxiliar o seu desenvolvimento. O segundo ponto básico do bem comum estabelece sua autoridade na sociedade.


                            Para que o bem comum esteja ao alcance de todas as pessoas humanas, faz-se necessário que alguns entes, em particular, sejam dotados de autoridade para conduzir as pessoas em direção deste bem comum. Esta autoridade, investida de poder pelo próprio povo, deve visar o bem de todos. O aspecto final diz respeito à moralidade intrínseca do bem comum, o qual se caracteriza pela retidão de vida e a integridade humana.



                            Conforme extraído de Gabriel Chalita, a justiça e o dever moral são fundamentais para a existência do bem comum, exigindo assim o desenvolvimento das virtudes nos seres humanos e, desta feita, todo ato político injusto e imoral é, por natureza, injurioso ao bem comum e politicamente mau.



                            Para o Humanismo Integral de Jacques Maritain, a base filosófica dos direitos humanos está em sua natureza e só é possível se compreenderem estes como expressões da lei natural, fundados na dignidade da pessoa humana, estabelecidos estes direitos numa hierarquia, tendo como primário o direito do homem à vida.



                            Os Direitos Humanos são o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, conforme explicita Alexandre de Moraes, in “Direitos Humanos Fundamentais”.



                            Definir direitos humanos é tarefa árdua. E mesmo que consigamos, sempre faltará algo. Os Direitos Humanos são, por essência, dinâmicos. Consagrar a dignidade da pessoa humana é a principal tarefa dos direitos humanos.



                            José Castan Tobeñas define direitos humanos como “aqueles direitos fundamentais da pessoa humana, considerada tanto em seu aspecto individual como comunitário, que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum”.



                            Em suma, o Cristianismo passa a professar a igualdade entre os homens, determinando a criação de uma comunidade espiritual entre os povos, o dever de ajuda e respeito mútuo, bem como o reconhecimento de que todo homem é pessoa.
A partir do Direito Canônico, a humanidade civilizada passa a se conduzir para a compreensão de que o homem não pode ser considerado objeto de propriedade. Com o passar do tempo, cada povo foi adotando uma lei de acordo com a realidade específica, mas igualmente incorporando os direitos que foram sendo conquistas da humanidade como um todo, pois os direitos humanos universais e os princípios universais de direitos humanos são aqueles que podem ser aceitos por todas as culturas.


                            Com o advento do período conhecido como Iluminismo, ocorre a expansão da noção dos direitos e das liberdades humanas. Começa a se seguir em direção à igualdade jurídica dos seres humanos. E a partir da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, ocorre a expressão primeira dos direitos, declarando a independência por um novo governo a ser formado pelas colônias unidas sob o princípio de que a tirania é inadequada para ser o governo de um povo livre.


                            Seguindo-se à declaração americana, a Revolução Francesa proclamou que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos, na Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração afirmava os princípios de igualdade e liberdade individual, a igualdade civil e fiscal, a isenção de prisão arbitrária, a liberdade de expressão e de imprensa, e o direito à propriedade privada. Em 1791, dois anos após a queda da Bastilha e baseada nestes princípios, a França acaba por abolir a escravatura negra. Consagra-se o princípio de que todo homem é sujeito de direitos e obrigações.


                            Face às terríveis violações dos direitos humanos ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial e à conclusão de que a proteção destes direitos não poderia ficar restrita à esfera interna de cada Estado, a ONU, em 1948, descreveu o significado de direitos humanos com a Declaração Universal de Direitos Humanos, elenco de direitos que tem sido adotado pela jurisprudência interna de alguns Estados ocidentais, entre eles o Brasil, cuja Constituição promulgada em 1988 tem a dignidade da pessoa humana como base de seus direitos e garantias fundamentais.



                            Aproveitamo-nos novamente dos dizeres do Papa João Paulo II:



                            “A dignidade da pessoa humana é um valor transcendente, como tal sempre reconhecido por todos aqueles que se entregaram sinceramente à busca da verdade. Na realidade, toda a história da humanidade deve ser interpretada à luz desta certeza. Cada pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-28) e por conseguinte orientada radicalmente para o seu Criador, está em relação constante com quantos se encontram revestidos da mesma dignidade. Assim, a promoção do bem do indivíduo conjuga-se com o serviço ao bem comum, quando os direitos e os deveres se correspondem e reforçam mutuamente”.



                            E segue:


                            “A defesa da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos é essencial para a construção duma sociedade pacífica e para o progresso integral de indivíduos, povos e nações. A afirmação desta universalidade e indivisibilidade não excluem, de fato, legítimas diferenças de ordem cultural e política na atuação dos diversos direitos, contanto que se respeitem em cada caso os níveis fixados pela Declaração Universal para a humanidade inteira”.



                            “A corrida vertiginosa para a globalização dos sistemas econômicos e financeiros torna patente a urgência de estabelecer quem deve garantir o bem comum global e a atuação dos direitos econômicos e sociais. É que o livre mercado, por si só, não consegue fazê-lo, uma vez que existem numerosas carências humanas que, de fato, não têm acesso ao mercado. « Ainda antes da lógica da troca de valores equivalentes e das formas de justiça que lhe são próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, em virtude da sua eminente dignidade »”.



                            Enfim, através dos estudos humanistas e seu aperfeiçoamento, chegou-se ao que hoje chamamos de Direitos Humanos, que nada mais visa do que a busca do bem comum, referendado pela proteção e perfazimento da dignidade da pessoa humana.

terça-feira, 17 de maio de 2011

VOTO NO BRASIL: DEMOCRACIA OU OBRIGATORIEDADE?

I. INTRODUÇÃO



Votar é verdadeiro exercício da cidadania, a maneira mais eficiente e cristalina de exercício da soberania popular. O voto direto e secreto, com valor igual para todos. Nossa sociedade passa por mudanças constantes, como nossa jovem democracia, que ainda mostra traços oscilantes quando analisada sob o ponto de vista da ditadura econômica que nossos governantes implementam em nosso país todos os anos. Será que o voto obrigatório ainda atende as peculiaridades do povo brasileiro? Será que é a melhor solução para um povo que recentemente começou, efetivamente, a exercer esse poder? É o que nos colocamos a analisar a partir de então.



O voto está inserido nos capítulos sobre direitos políticos nos diversos manuais de Direito Constitucional. Devemos, pois, conceituar os direitos políticos como aquelas condições que permitem ao cidadão intervir na vida política, votando e sendo votado.



A obrigatoriedade do voto não é uma singularidade brasileira, pois Argentina, Austrália, Bélgica, França, México, Portugal, entre outros, adotam o voto obrigatório. Podemos em um primeiro momento, pensar que a adoção do voto facultativo no Brasil possui seu lado obscuro, pois um sistema com viés elitista poderia ser produzido, assim como ocorre nos Estados Unidos da América, onde é comprovado que o eleitor negro, de baixa escolaridade, mães solteiras, populações mais pobres e hispânicos se abstêm de votar, pois acham que não possuem força para mudar o “status quo”. Porém, alegar isso equivale dizer que o povo brasileiro é ignorante e jamais aprenderá a fazer escolhas corretas. A implementação do voto facultativo deve vir acompanhada de investimentos pesados em políticas sociais e educação.



Neste diapasão, será um dos maiores objetos de nosso estudo a Constituição Federal de 1988, artigo 14, inciso 1o, parágrafos I e II, alíneas “a”, “b” e “c”. Não teceremos comentários a respeito do artigo 6º da Lei n. 4.737/65, eis que este perdeu sua eficácia ante o artigo 14 da Carta Política de 1988. Analisaremos o voto, seu conceito, princípios, natureza e atributos, a democracia, o sufrágio e suas características, o voto obrigatório e o facultativo, defendendo a adoção deste último.





II. DIREITOS POLÍTICOS


Os direitos políticos surgem no momento em que a soberania popular toma o lugar da monarquia absolutista, quando o povo, tomando consciência de sua importância e força e assume seu próprio futuro. Soberania popular significa que a titularidade do poder pertence aos cidadãos. John Locke dizia que o governo não deveria pertencer ao príncipe, mas ao povo, que seria, na verdade, o único soberano. Com a Revolução Francesa , essa idéia disseminou-se pelo mundo, passando em muitos países, a ser o povo o soberano em lugar do rei.



Para José Afonso da Silva (2004), os direitos políticos são “os consistentes na disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular” .



Alexandre de Moraes (2003), por sua vez, conceitua direitos políticos como:



“... o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o ‘caput’ do art. 14 da Constituição Federal. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da soberania” .



O artigo 14 “caput” da Constituição Federal garante o sufrágio universal, que por sua vez garante a soberania popular, e esta garante os direitos políticos . Dessa forma, são direitos políticos o próprio direito de sufrágio, o direito de votar em eleições, plebiscitos e referendos, a elegibilidade, a iniciativa popular de lei, a Ação Popular e a organização e participação de partidos políticos.



Alexandre de Moraes ensina que o direito de sufrágio é a essência do direito político. Moraes ressalta que os direitos políticos compreendem o direito de sufrágio, como seu núcleo, e este, por sua vez, compreende o direito de voto, o que veremos mais pormenorizadamente nos capítulos seguintes .



Importante fazermos uma ressalva que, adiante será mais bem compreendida. A aptidão para o exercício dos direitos políticos por parte do cidadão dá-se através do alistamento eleitoral. Djalma Pinto (2003) acrescenta que os direitos políticos representam, indiscutivelmente, a mais notável conquista do homem enquanto integrante da sociedade .



III. VOTO: NATUREZA, PRINCÍPIOS E ATRIBUTOS



Para Antônio Augusto Soares Amora (2003), voto significa “modo de manifestar a opinião num pleito eleitoral”. Djalma Pinto (2003) ensina que “o voto é o meio pelo qual é exercida a parte ativa do direito de sufrágio”. Já a capacidade eleitoral passiva somente poderá ser exercida por quem detém, além do poder de sufrágio, a elegibilidade.



Assim, a natureza do voto também se caracteriza pelo dever do cidadão em manifestar sua vontade, por meio do voto, para escolha de representantes em um regime político. O voto é o instrumento pelo qual os eleitores expressam sua vontade, escolhendo que os representará. É através do voto que o eleitor expressa sua confiança a um determinado candidato. Em sendo o voto uma expressão de confiança que se perfaz por uma escolha, não entendemos correto ser seu exercício obrigatório. É através do voto que se materializa o direito público subjetivo dos cidadãos.



Para a concepção fascista, o eleitor é um órgão do Estado, exercendo uma função estatal ao emitir seu voto, ao fazer sua escolha. Vejamos que, nessa concepção, a idéia de soberania popular é abandonada, não existe. Quem detém o poder é quem poderá dirigir a vontade. Ao contrário do sistema fascista e dos interesses dominantes, o voto enquadrado na idéia de soberania popular é também uma função, porém função da soberania popular . A escolha dos governantes nos regimes representativos deverá ser manifestada pelo voto dos cidadãos, por isso é também um dever sócio-político, e isso independe da obrigatoriedade jurídica.



O voto é personalíssimo, somente pode ser exercido pessoalmente. É obrigatório e igual para homens e mulheres, entre 18 (dezoito) e 70 (setenta) anos e facultativo entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) e acima de 70 (setenta) anos, havendo inclusive sanção para ausência não justificada. O eleitor pode escolher quem ele bem entender, diante dos candidatos inscritos, ou votar em branco e até mesmo anular seu voto. Para expressar a real intenção do eleitor, o voto deve revestir-se de alguns atributos, tais como eficácia, sinceridade, autenticidade, personalidade e liberdade. Decorre do atributo da liberdade que o voto seja secreto. Decorre da sinceridade, da autenticidade e da eficácia, que o voto seja direto. De todos esses atributos, deveria decorrer a facultatividade do voto.



IV. A DEMOCRACIA E SUAS CARACTERÍSTICAS



José Afonso da Silva (2004) conceitua democracia como realização da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Este ainda nos lembra que, o Estado Democrático funda-se no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública. Para o professor, o princípio democrático é garantidor dos direitos fundamentais da pessoa humana, e a democracia não é um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, onde o poder repousa na vontade do povo .



Existem princípios que são formadores da democracia, tais como a igualdade, a liberdade, a legalidade e o direito de oposição. Darcy Azambuja (1975) ensina que nenhum outro termo do vocabulário político é mais controverso que democracia. Alega que, se definirmos o termo gramaticalmente, perceberemos que ela jamais existiu e talvez nunca existirá. Azambuja também critica os que conceituam a democracia como deveria ser, pois alega que o poder criativo dos autores vai desde o provável até o utópico. Para ele, democracia é o regime em que o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de funcionários eleitos por ele para administrar os negócios públicos e fazer leis de acordo com a opinião geral, sendo o povo quem direciona seu próprio destino .



A democracia é como a liberdade e o próprio direito, pois muitos somente os reconhecem e estimulam depois de violados ou conculcados, durante repressões, ditaduras ou terrorismo. Paulo Bonavides (1999) defende que o povo, melhor do que os juristas e filósofos sabem sentir e compreender a democracia, embora não possa explicá-la com limpidez da razão nem com a solidez das teorizações .



O conceito jurídico isolado de democracia é considerá-la apenas como um regime em que os governantes são periodicamente escolhidos pelos governados. Porém, esta definição não completa o conceito de democracia, que é mais amplo. A democracia supõe a igualdade e a liberdade, é uma forma de vida social, de coexistência entre indivíduos membros de dada sociedade, é fruto de longa discussão histórica, que não se esgotou, ainda, e que nunca se esgotará.



José Joaquim Gomes Canotilho (1993) ensina que a democracia tem como suporte ineliminável o princípio majoritário, não significando isso, qualquer absolutismo da maioria, nem o domínio dos povos por parte desta. Seria, neste contexto, método de formação da vontade do Estado .



Manuel García-Pelayo (1993), diz que democracia e liberalismo são antinomias, porém um não pode viver sem um pouco do outro. A vontade da maioria deve reger toda e qualquer nação, sendo a participação do povo nos negócios do Estado, tal como transcrito, in verbis: “la democracia, posibilidad de participación en el Estado” .



Diante do exposto, podemos conceituar democracia como sendo a soberania popular, de distribuição eqüitativa de poder, que emana do povo, pelo povo e para o povo, que governa a si mesmo ou elege representantes, através do sufrágio, direto, universal, secreto, facultativo, onde todos devem estar representados, porém prevalecendo a vontade da maioria, desde que não contrarie os princípios da legalidade, igualdade, liberdade e da dignidade da pessoa humana.



V. O SUFRÁGIO E SUAS CARACTERÍSTICAS



O Sufrágio, que provém do latim – “sufragium” – significa a declaração que se faz da própria vontade, em matéria de eleições. Paulo Bonavides (1999) ensina que sufrágio “... é o poder que se reconhece a certo número de pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente na soberania, isto é, na gerência da vida pública” .



Segundo o professor José Afonso da Silva (2004), “o sufrágio é um direito, o voto é seu exercício e o escrutínio o modo de exercício” .



Doutrinariamente, foram desenvolvidas duas escolas de determinação do sufrágio. A primeira, que se acolhe da soberania nacional, desenvolvida por Barnave em 1791, durante a Revolução Francesa, e enxerga o sufrágio como uma função; e a da soberania popular, desenvolvida por Rousseau na mesma época, que enxerga o sufrágio como um direito.



Na primeira, não é a vontade autônoma do eleitor que interfere na eleição, mas tão-somente a vontade soberana da nação, podendo esta investir no exercício da função eleitoral somente aqueles que julgarem aptos ao cumprimento desse dever. Dessa doutrina decorre a obrigatoriedade do voto.



Segundo Maurice Duverger, Barnave em 1791 durante a Revolução Francesa, sustentava que “a qualidade de eleitor não é senão uma função pública, à qual ninguém tem direito, e que a sociedade dispensa, tão cedo prescreva seu interesse” .



Na segunda, cada indivíduo é titular de parte ou fração da soberania, pois o povo é soberano. O sufrágio é expressão da vontade deste. Admite que, se o voto é um direito, seu exercício será facultativo e o mandato será imperativo e não representativo.



Barthélemy e Duez esclarecem que Rousseau, em sua obra Contrato Social, salienta que “o direito de voto é um direito que ninguém pode tirar aos cidadãos” .



A doutrina constitucional italiana, principalmente através de Biscaretti di Ruffia, partindo da dificuldade de conciliar o sufrágio universal, fundado na soberania popular, com a obrigatoriedade do voto, busca amenizar as duas determinações sobre a natureza jurídica do sufrágio. Diz-se tratar de um “direito de função”.



Para Biscaretti di Ruffia, o sufrágio, como um direito de função, é igualmente função eleitoral, exercido de forma correta, pois é um direito público subjetivo que deve ser exercido, pois, considera-se um dever cívico . Em que pese o notável saber do ilustre jurista, como um direito público subjetivo, fundado no atributo da liberdade e, principalmente, na democracia, o voto obrigatório é incompatível, a nosso ver.



A idéia de soberania popular consolidou-se mundialmente no final do século XVIII. Não devemos nos enganar, pois em verdade, a soberania popular não é tão ampla assim. Somente determinada parcela da população ou grupos reduzidos de pessoas podem ter acesso à direção do Estado, participando da escolha dos seus dirigentes.



VI. ESPÉCIES DE VOTO: OBRIGATÓRIO E FACULTATIVO



A natureza jurídica do voto tem sido objeto de acirrados debates. Sua transformação em facultativo ou sua mantença em obrigatório é muito discutida, seja por juristas, políticos ou o povo em geral.



Inicialmente, visto pelo prisma da soberania do povo, o voto é um dever político-social. No Brasil, é obrigatório para maiores de 18 e menores de 70 anos. Djalma Pinto (2003) assevera que essa obrigatoriedade se restringe, todavia, ao comparecimento à sessão eleitoral para a assinatura da folha de votação, não à indicação de um candidato. Já José Afonso da Silva (2004), acredita que o voto obrigatório não existe no Brasil .



A respeito disso, José Afonso da Silva (2004) argumenta que:



“Convém entender bem o sentido da obrigatoriedade do voto, prevista no citado dispositivo constitucional, para conciliar essa exigência com a concepção da liberdade do voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à sua seção eleitoral e depositar sua cédula de votação na urna, assinando a folha individual de votação. Pouco importa se ele votou ou não votou, considerando o voto não o simples depósito da urna, mas a rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia naquele ato ”.



Discordamos de José Afonso da Silva (2004) e Djalma Pinto (2003), em que pese todo o notável saber destes, pois o simples ato de, obrigatoriamente, ter que alistar-se eleitor, comparecer em um dia programado, compulsoriamente, a uma sessão eleitoral para exercer seu dever, somente confirma a tese de que o voto obrigatório é uma realidade no País. O simples fato de dirigir-se até a sessão eleitoral para depositar uma cédula, pouco importando se uma escolha foi ou não efetuada, consiste em afirmar, categoricamente, que o ato de votar é obrigatório tanto quanto a obrigatoriedade de alistar-se eleitor.



Ao não escolher um candidato, anulando seu voto ou simplesmente votando em branco, o cidadão efetivamente exercitou o ato de votar; o que ele não fez foi escolher um candidato. Deixemos claro que, sem o alistamento eleitoral, o indivíduo não se torna um cidadão, não podendo exercer seus direitos políticos. Não poderá votar nem ser votado, não poderá promover ações populares nem oferecer denúncia para fins de impeachment, não pode matricular-se, se maior de 18 anos, em estabelecimento de ensino público ou privado, conforme artigo 1º da Lei n. 6.236/7 . O mesmo ocorre se, alistado estiver, deixar de comparecer ao pleito para fazer sua escolha, sem justificar sua falta.



Paulo Bonavides (1999) classifica o exercício do voto, pelo lado de sua obrigatoriedade como “dever cívico”, baseado no artigo 48 da Constituição da Itália, encontrando o meio-termo entre o dever moral e o dever jurídico. O primeiro doutrinador que se referiu à função pública subjetiva do voto foi Jellinek .



Apesar de obrigatório, a rigor, todo sufrágio é restrito. O sufrágio universal também possui restrições à capacidade dos eleitores, tais como nacionalidade, capacidade mental, serviço militar, idade, etc., porém em menor grau se comparado ao sufrágio restrito propriamente dito.



Vimos que o voto obrigatório é dever político-social e também jurídico. Se somente o comparecimento é obrigatório e não o voto em si, como afirma José Afonso da Silva (2004), isto quer dizer que o cidadão, no caso de não opor sua escolha, porém comparecer à sessão eleitoral estará, sem dúvida alguma, cumprindo seu dever jurídico, mas não estará cumprindo seu dever político-social, este sim podendo gerar graves problemas para um país.



O dever político-social não possui qualquer tipo de sanção externa organizada, pois é de índole moral. Moralmente, todos somos responsáveis pelos rumos de um País e seu povo, pois somos nós que construímos este País. O que é passível de sanção é, tão somente, o não comparecimento injustificado à sessão eleitoral. Este dever é mais forte que o próprio dever moral, pois o engloba. O dever político-social está entre o mero dever moral e o dever jurídico.



No sistema facultativo, o voto é visto como um dever político-social, que se não exercido, não pode ser sancionável. O comparecimento ou não às urnas está incluso na idéia de voto, não vislumbramos como separá-los. O ato de votar depende do ato de comparecer às urnas, além de traduzir algum interesse do cidadão em participar da vida do Estado. O voto muitas vezes é exercido sem consciência alguma, e isso é prejudicial para um País em desenvolvimento.



O voto em branco e o voto nulo não legitimam nenhum processo. Enganam-se os que assim pensam, e também se enganam os que pensam que o voto obrigatório dá mais autoridade aos eleitos.



O Senador José Fogaça (2002), em comentário sobre o voto facultativo, no Relatório Final sobre a Emenda Constitucional do Senador Sérgio Machado que trata do assunto, matéria esta que discutida longamente no Congresso e aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, alegou:



“Sempre fui adepto do voto obrigatório e mudei radicalmente a minha posição, após o plebiscito que consolidou o presidencialismo no Brasil. Percebi que 95% das pessoas que iam para os locais de votação não tinham clara idéia do que estava votando. Percebi também que quando um cidadão não tem idéia do que está votando, ele prefere manter o conhecido, mesmo que ruim, a votar no desconhecido” .



A liberdade é ligada à questão do livre arbítrio, que surgiu com o advento do Cristianismo. O Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003) ensina que o querer deve ser visto em sua intimidade, como opção, donde significará exercer ou não o ato. Essa possibilidade é a garantidora da liberdade, a liberdade instala-se no interior da vontade, esta como opção é livre. Não se pode obrigar alguém a querer. A liberdade é preceito fundamental à igualdade e seu real exercício. .



Segundo a concepção do livre arbítrio, Deus criou o homem para ser livre, igual e bom. O homem é que escolhe qual caminho quer seguir, se o reto ou o torto. Nessa concepção, os homens pecam porque querem, erram porque querem e acertam porque querem. Cabe ao homem, e a mais ninguém, decidir seu próprio caminho, seu futuro. Nada acontece sem que Deus saiba ou permita.

Tércio Sampaio (2003) indaga: “Se Deus tudo sabe e tudo pode, porque permite que o homem peque?”, e a resposta é simples: “Deus criou a vontade livre, o ‘liberum arbitrium’, permitindo que o homem possa o que quer, mas não obriga que queira o que pode”. .



CONCLUSÃO



Isto posto, podemos afirmar que o voto é o poder (faculdade) democrático de mudança, por isso deve ser feito de maneira consciente. Ao defendermos o voto facultativo, alegamos que uma pessoa não quer votar, seja porque simplesmente não quer, ou por ideologia política, religiosa, social ou por revolta com o “status quo”, não deve ser compelida a comparecer à sessão eleitoral.



O conservadorismo prejudica alguns pontos de uma mudança. Votar de forma obrigatória é uma contradição, pois ao obrigar o cidadão a votar, não se pode obrigá-lo a estudar o assunto que estará votando, nem mesmo o candidato em que votou, pois poucos escolhem seus candidatos de forma consciente. Deve-se preservar a livre vontade do cidadão na indicação de seus representantes.



Adotar o voto facultativo não está contra o ordenamento jurídico vigente, não está contra os Princípios Gerais de Direito, tampouco contra o Estado Democrático de Direito. Se o voto é uma escolha, ele jamais poderia ser obrigatório. Escolhas não se exigem.



Diante do conceito formulado de democracia, qual seja, a soberania popular, de distribuição eqüitativa de poder, que emana do povo, pelo povo e para o povo, que governa a si mesmo ou elege representantes, através do sufrágio, direto, universal, secreto, facultativo, onde todos devem estar representados, porém prevalecendo a vontade da maioria, desde que não contrarie os princípios da legalidade, igualdade, liberdade e da dignidade da pessoa humana, temos que somente a não obrigatoriedade do voto se coaduna com os ditames atuais.



É facultado ao povo possuir habilitação para guiar veículos automotivos, usar, gozar e dispor de seus bens, entre outros tantos, porque não facultar o ato de votar? O voto entre os 16 e os 18 anos de idade é facultativo, e funciona muito bem, pois são de certa expressão os jovens que se inscreveram e continuam se inscrevendo como eleitores e efetivamente votam. Existem inúmeros projetos para tornar o voto facultativo. O Congresso Nacional, as entidades de classe, universidades e centros de pesquisa discutem cada vez mais o tema. A quem interessa, então, manter o voto obrigatório?



Mas, afinal, qual a importância do voto? O que ele efetivamente muda na vida das pessoas? O que têm a acrescentar? Vivemos um momento de mudanças, de grande expectativa e aspirações nacionais. O voto é nossa arma mais poderosa para mudar um País.



Através do voto o povo escolhe quem deve representá-lo, quem está qualificado para isso, podendo optar por quem realmente garanta o cumprimento de suas reivindicações, da ambição social global e não individual.



A mudança do voto está exatamente no próprio voto. O voto é, tecnicamente, o melhor instrumento de mudança social que um país livre e democrático pode possui. É uma conquista da sociedade como um todo. Votar é a maior arma que temos contra a impunidade, a desesperança, o descrédito, a violência, a falta de educação e ensino de qualidade, público e gratuito para todos, a fome, a corrupção, os apadrinhamentos escusos e o subdesenvolvimento.



Deixemos claro que o sufrágio não é meio infalível de determinar capacidade ou probidade. Mas com toda certeza, é o menos defeituoso, eis que verdadeiramente democrático, pois somente temos três modos de escolha de governantes, os três igualmente experimentados por muitas nações: a eleição, a hereditariedade e a força.



Concluímos com duas assertivas: cabe à comunidade jurídica, já que o Direito também é um instrumento de mudança social, lutar para mudar o “status quo”, sendo o voto meio importantíssimo de transformação social, pois com ele muda-se a educação e a consciência de um povo, que assim poderá mudar um país inteiro. Por isso, apesar de defendermos claramente a liberdade do ato de votar ou não, somente através do voto mudaremos para melhor a sociedade em que vivemos.





sexta-feira, 13 de maio de 2011

Meu livro pela Editora Conceito em breve nas lojas de todo o país

Agora é oficial: o trabalho sobre a Natureza Jurídica dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico Brasileiro já está na fase de revisão ortográfica e em breve será oficialmente lançada pela EDITORA CONCEITO.

Nesta obra, trato dos TIDH propriamente ditos, explicando o que são e qual a sua natureza jurídica no ordenamento jurídico pátrio, passando por julgamentos históricos do STF e pela Emenda 45/2004, que em muito alterou a sistemática de incorporação dos Tratados ao Direito Positivo Brasileiro.

Também faço uma ampla explanação sobre FONTES DO DIREITO e HERMENÊUTICA DO DIREITO e HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL.

É uma obra direcionada para alunos de graduação e pós-graduação, bem como para os que se preparam para EXAME DE ORDEM e CONCURSOS PÚBLICOS. Indicada para as disciplinas de INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL. Em breve na http://www.conceitojur.com.br/

terça-feira, 10 de maio de 2011

IMUNIDADES E LIMITES DOS PARLAMENTARES

Resumo: As imunidades garantem o bom e livre exercício das funções dos parlamentares, não permitindo que estes sofram qualquer tipo de influência no desempenho do mandato. As imunidades parlamentares englobam tanto a liberdade de expressão como a inviolabilidade civil e penal. Elas se dividem em imunidade material e imunidade formal. São irrenunciáveis, pois caracterizam a proteção de um bem público, ou seja, as imunidades parlamentares são prerrogativas próprias do cargo, e não da pessoa do parlamentar. Desta forma, é possível extrair os limites dos parlamentares, que gozarão das imunidades enquanto, e somente quando, exercentes do cargo público, não permitindo assim, o abuso de poder.
Palavras-chave: democracia; imunidades; inviolabilidades; parlamentares; povo; representação.

 

I. INTRODUÇÃO

O sistema brasileiro de imunidades parlamentares é contemplado pela Constituição Federal de 1988, no seu Art.53, que mostra a relevância do assunto em questão. Não há dúvidas de que este é um assunto polêmico, que muitas vezes é motivo de indignação, razão pelo descrédito do povo no cenário político nacional.

No entanto, as imunidades parlamentares traduzem apenas um sinal de independência do Poder Legislativo; independência esta que significa a segurança do povo. Os parlamentares envolvidos por este escudo, podem assim exercer e desenvolver suas funções livres de qualquer razão que possa vir a comprometer o seu bom desempenho.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, neste estudo exploraremos os principais conceitos e características relacionadas ao tema, a fim de esclarecer a importância e a necessidade deste instituto constitucional.

II. IMUNIDADES DOS PARLAMENTARES “LATO SENSU”

 
Imunidades parlamentares são situações funcionais que visam permitir aos parlamentares o exercício livre do mandato. Conforme bem explicita Jorge Miranda, irresponsabilidade e inviolabilidade são subcategorias da imunidade.
Geraldo Ataliba, saudoso publicista, ensina que a inviolabilidade dos mandatos parlamentares são estabelecidas pela Constituição a fim de se assegurar a independência do Legislativo e de seus membros. Tudo o que seja entendido como exercício do mandato, sua condição, complemento ou extensão é coberto pela inviolabilidade e assim, amplamente, deve ser interpretado, em cada caso concreto. Nem por isso admitir-se-iam ilícitos, deixemos claro.
Deputados e Senadores são as vozes do Parlamento. Estes são eleitos (nas Democracias) pelo voto popular – consequentemente são as vozes do povo. A irresponsabilidade marca a liberdade de expressão neste caso.
A inviolabilidade protege a liberdade física daqueles contra perseguições judiciais, em virtude da alegada prática de crimes estranhos à função parlamentar. Decorrem do princípio da democracia representativa e do normal desenvolvimento do mandato político.
A Constituição da República Federativa do Brasil consagra ambas as imunidades, irresponsabilidade e inviolabilidade, no art. 53, “caput”, tal como segue:
“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Teceremos melhores e mais completos comentários sobre as imunidades dos Vereadores mais adiante. Porém, adiantamos o expediente para informar desde já que estas são, em muito, diminutas se comparadas às imunidades de Deputados e Senadores.
As questões referentes às imunidades parlamentares foram substancialmente modificadas pela Emenda Constitucional n. 35, de 20/12/2001. As imunidades no Direito Brasileiro e, como paradigma, no Direito Lusitano, podem ser divididas em materiais e formais. O art. 157 da Constituição da República de Portugal de 1976 (após revisão constitucional de 1997) consagrou tanto a irresponsabilidade quanto a inviolabilidade dos parlamentares. São princípios que preservam a composição do Parlamento, assegurando aos parlamentares, conforme ensina Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz Alberto David Araújo, independência nas suas manifestações.

III. IMUNIDADE MATERIAL

 
Esta consiste na inviolabilidade do parlamentar, tanto civil quanto penal, por suas opiniões, palavras e votos, definida pelo art. 53, “caput” da Constituição da República – o parlamentar necessita de liberdade, uma necessidade para a função e o seu bem-desempenhar e não um privilégio para a pessoa. Deve ser uma liberdade no exercício da FUNÇÃO PARLAMENTAR (não importa se está dentro ou fora do parlamento). No dizer de Celso Bastos:
“Esta espécie de imunidade exime o parlamentar do enquadramento no tipo penal. Portanto, o que seria crime se cometido por um cidadão, não o é sendo cometido por um parlamentar”.
A Carta Magna de 1988 tutelou, tal como explicitado no §8º do mesmo artigo 53, situação específica dos parlamentares, parágrafo que pedimos vênia para transcrever:
“As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.
No exercício da função ou atuando em razão dela, o parlamentar tem imunidade material.

IV. IMUNIDADE FORMAL

 
A imunidade formal dos parlamentares não foi extinta, mas sim modificada pela EC/35. Antes, o parlamentar era processado apenas após autorização da respectiva Casa. Hoje o quadro é diverso.

Após EC/35, o parlamentar precisa ser diplomado como tal para fazer jus à imunidade, nos termos do §2º do art. 53 da CF. Nos crimes anteriores à diplomação, ele responderá normalmente. Ocorrendo crimes de sua autoria posteriormente, o processo terá tramitação normal, porém a Casa a qual o parlamentar pertença deve ser comunicada do processo e, por iniciativa de um partido político nela representado, pode por maioria absoluta, promover a sustação da ação penal, caso em que ficarão suspensos o processo e a prescrição.
O parlamentar, durante a vigência de seu mandato, não pode ser preso, salvo em flagrante por crime inafiançável, caso em que o auto de flagrante deverá ser remetido à Casa legislativa a qual pertença, que em 24 horas deverá deliberar sobre a manutenção da prisão.
O deputado estadual (art. 27, §1º da CF) tem o mesmo regime que os senadores e deputados federais. O sigilo das fontes para a Imprensa é estendido aos parlamentares (senadores e deputados), conforme art. 5º, XIV combinado com o art. 53, §6º da CF.

V. IMUNIDADES DOS VEREADORES

 
Os vereadores (art. 29, VIII da CF) não possuem essa imunidade formal e a material é bem restrita (no exercício do mandato e na circunscrição do município).
As garantias dadas aos parlamentares pela Magna Carta têm como finalidade preservar a atividade parlamentar de injunções externas, assegurando independência nas manifestações dos representantes do povo.
Os parlamentares municipais não possuem a prerrogativa de ter seus processos sustados pela Câmara Municipal (tal como ocorre com os parlamentares federais e estaduais, como veremos mais a frente), tendo em vista que sua imunidade material se circunscreve como já dito, ao município, nos termos do inciso VIII do art. 29 da Lei Maior.

VI. OS SUPLENTES E AS IMUNIDADES

 
Como aponta Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz Alberto David Araújo, as imunidade não são extensíveis aos suplentes, embora a Carta de 1934 tenha incluído o primeiro suplente de deputados e senadores nas garantias parlamentares; o mesmo não foi feito pela Constituição de 1988.

 
VI. DA SUSTAÇÃO

 
Juntamente com a imunidade material, temos a imunidade formal, como já explanado anteriormente. O parlamentar não pode ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável. O processo contra o parlamentar poderá ser suspenso por determinação da maioria dos membros da Casa respectiva.
O foro competente para o julgamento de Deputados Federais e Senadores é o STF. Quando a denúncia contra estes for recebida pelo Pretório Excelso, poderá esta ter seu andamento sustado, até decisão final, por iniciativa de Partido Político representado na Casa respectiva. Hoje, após a Emenda Constitucional n. 35, não há mais autorização da Casa para se iniciar o processo, uma vez que este não necessita de dada autorização, mas pode ser sustado no decorrer de seu curso. O pedido do Partido Político deverá ser apreciado pela Casa em quarenta e cinco dias do recebimento pela Mesa Diretora respectiva, no entanto, como aponta Vidal Serrano e Luiz Aberto Araújo, a possibilidade de sustação, pelo Partido Político, só pode ocorrer em crime cometido após a diplomação. No tocante aos crimes cometidos anteriormente não poderá haver a mencionada sustação, correndo normalmente. O foro especial por prerrogativa de função é algo que, conforme aponta Geraldo Ataliba, desagrada profundamente a Kelsen, uma vez que este considera ser o Judiciário um poder dotado de independência e condições de imparcialidade, nada justificando, hoje, processo especial para os parlamentares. No entender do chefe da Escola de Viena, isso teria cabimento nos tempos em que os órgãos judiciários dependiam do Executivo.
Os autos deverão ser submetidos à Casa respectiva do parlamentar em um prazo de 24 horas, no caso de flagrante delito, para que esta delibere sobre a possibilidade ou não da prisão, conforme mandamento extraído do art. 53, §2º da CF. caso não haja sustação, o processo tramita regularmente, porém qualquer determinação de prisão contra o parlamentar depende de prévio consentimento da respectiva Casa.
Importante lembrar que, como estatui o Código Penal, em seu artigo 92, I, quando aplicada pena igual ou superior a 01 ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou superior a quatro anos, nos demais casos criminais, perderá o mandato político como efeito da condenação, conjuntamente com a imunidade, podendo ser preso. É uma idéia errônea de o homem comum achar que os parlamentares nunca serão presos, em virtude de sua imunidade. Nos últimos anos estamos presenciando não só a perda de mandatos por parlamentares como, em alguns casos, sua reclusão em estabelecimento prisional.
Para finalizarmos a discussão, Pedro Henrique Távora Niess ensina que:
“Os deputados e Senadores que, com prévia licença da respectiva Casa ou privação dos direitos políticos, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa”.

 
VI. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS IMUNIDADES E LIMITES DOS PARLAMENTARES

Fato muito comum no nosso cenário político é o afastamento de parlamentares por tempo indeterminado para exercerem o cargo de Ministro, Secretário de Estado ou Município. Vale ressaltar que, ao se afastar do cargo para o qual foi eleito, o parlamentar não manterá suas imunidades. Michel Temer aponta que o STF já decidiu que o licenciado não está no exercício do mandato e, por isso, dispensa-se a licença (imunidades). Temer elucida ainda mais o assunto, ao apontar que o art. 56 da CF responde essa indagação ao prescrever que:
“Não perderá o mandato o deputado ou senador investido na função de Ministro de Estado, Governador do Distrito Federal, Governador de Território, Secretário de Estado, etc. ‘Não perderá o mandato’ significa que quando cessarem suas funções executivas, o parlamentar, que não perdeu o mandato, pode voltar a exercê-lo. O que demonstra que, enquanto afastado, não se encontra no exercício do mandato, senão que interrupção de exercício. Harmoniza-se com a prescrição da impossibilidade de exercício simultâneo em Poderes diversos”.
Quanto às imunidades, aponte-se que elas não são perdidas durante o estado de defesa e o estado de sítio, mas sim podendo ser suspensas neste último, por deliberação de 2/3 dos membros da Casa respectiva, no caso de atos praticados fora do Congresso que sejam incompatíveis com a execução da medida.
Importante trazer à lume a opinião da doutrina francesa acerca das imunidades, principalmente em Léon Duguit e Joseph Barthélemy, citados por Raul Machado Horta:
“A inviolabilidade obsta a propositura de ação civil contra o parlamentar, por motivo de opinião ou votos proferidos no exercício de suas funções. Ela protege, igualmente, os relatórios e os trabalhos nas Comissões. É absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total. As palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois de extinto o mandato. É a insindacabilità das opiniões e dos votos, no exercício do mandato, que imuniza o parlamentar em face de qualquer responsabilidade: penal, civil, administrativa, e que perdura após o término do próprio mandato”.
Celso de Mello esclarece que o parlamentar somente terá imunidade em sua atuação – parlamentar ou extraparlamentar – desde que exercida (sua atividade) ratione muneris, ou seja, em razão do exercício do ofício congressual, do múnus que possui em razão do cargo. Somente os comportamentos parlamentares cuja prática possa ser imputável ao exercício do mandato legislativo estarão acobertados. Dessa forma, estão excluídas as manifestações que não guardem pertinência temática com o exercício do mandato parlamentar, ainda que exercidas fora do recinto parlamentar (exceção feita à Vereança municipal, como já aludido).
As imunidades são irrenunciáveis, pois protegem exclusivamente um bem público, nos dizeres de Alexandre de Moraes, a Instituição. Os parlamentares são beneficiários das imunidades, mas não podem renunciar às mesmas, uma vez que visam o funcionamento livre e independente do próprio Poder Legislativo. Enquanto ocupar o cargo público, a imunidade adere ao parlamentar, mas não para protegê-lo, e sim para proteger o cargo, não a pessoa, uma vez que a pessoa física “parlamentar” é mero exercente de cargo, cuja titularidade, em última ratio é do próprio povo, que elege representantes.
Aníbal Freire, ex-Ministro do STF observa que as imunidades não são um privilégio do representante do povo; constituem uma garantia da função a que são inerentes.

VII. O REGIME DEMOCRÁTICO E A REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR

 
José Afonso da Silva conceitua democracia como realização da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Este ainda nos lembra que, o Estado Democrático funda-se no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública. Para o professor, o princípio democrático é garantidor dos direitos fundamentais da pessoa humana, e a democracia não é um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, onde o poder repousa na vontade do povo.
Existem princípios que são formadores da democracia, tais como a igualdade, a liberdade, a legalidade e o direito de oposição. Darcy Azambuja ensina que nenhum outro termo do vocabulário político é mais controverso que democracia. Alega que, se definirmos o termo gramaticalmente, perceberemos que ela jamais existiu e talvez nunca existirá. Azambuja também critica os que conceituam a democracia como deveria ser, pois alega que o poder criativo dos autores vai desde o provável até o utópico. Para ele, democracia é o regime em que o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de funcionários eleitos por ele para administrar os negócios públicos e fazer leis de acordo com a opinião geral, sendo o povo quem direciona seu próprio destino.
A democracia é como a liberdade e o próprio direito, pois muitos somente os reconhecem e estimulam depois de violados ou conculcados, durante repressões, ditaduras ou terrorismo. Paulo Bonavides defende que o povo, melhor do que os juristas e filósofos sabem sentir e compreender a democracia, embora não possa explicá-la com limpidez da razão nem com a solidez das teorizações.
O conceito jurídico isolado de democracia é considerá-la apenas como um regime em que os governantes são periodicamente escolhidos pelos governados. Porém, esta definição não completa o conceito de democracia, que é mais amplo. A democracia supõe a igualdade e a liberdade, é uma forma de vida social, de coexistência entre indivíduos membros de dada sociedade, é fruto de longa discussão histórica, que não se esgotou, ainda, e que nunca se esgotará.
José Joaquim Gomes Canotilho ensina que a democracia tem como suporte ineliminável o princípio majoritário, não significando isso, qualquer absolutismo da maioria, nem o domínio dos povos por parte desta. Seria, neste contexto, método de formação da vontade do Estado.
Manuel García-Pelayo, diz que democracia e liberalismo são antinomias, porém um não pode viver sem um pouco do outro. A vontade da maioria deve reger toda e qualquer nação, sendo a participação do povo nos negócios do Estado, tal como transcrito, in verbis: “la democracia, posibilidad de participación en el Estado”.
Diante do exposto, podemos conceituar democracia como sendo a soberania popular, de distribuição eqüitativa de poder, que emana do povo, pelo povo e para o povo, que governa a si mesmo ou elege representantes, através do sufrágio, direto, universal, secreto, facultativo, onde todos devem estar representados, porém prevalecendo a vontade da maioria, desde que não contrarie os princípios da legalidade, igualdade, liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Hoje, temos que a representação parlamentar é algo necessário para o povo, desde que ela seja exercida por pessoas competentes, éticas e solidárias. Discutir sobre imunidades e limites dos parlamentares é fácil; o difícil é discutir sobre as raízes sociológicas brasileiras, como o escravagismo, a herança deixada pelos senhores de terras, a lassidão moral nas camadas superiores da hierarquia política do país, o clientelismo, o nepotismo e tantas outras mazelas do nosso corpo social.
O rei sempre foi um símbolo. Se ele está doente, o país inteiro também está. Cada parlamentar avoca um pouco do poder que é do povo, para representá-lo bem. O que não pode tomar conta do Brasil, especialmente para aqueles que detêm uma parcela do poder, é a “ética da casa”, que o antropólogo Roberto DaMatta faz menção. Por “ética da casa” entenda-se colocar os interesses particulares à frente de tudo, somente reconhecendo direitos aos parentes, amigos ou quem contribua financeiramente com quem detém o poder. Aqui a imunidade não pode dar guarida.
Talvez o modelo de representação parlamentar no Brasil precise de reparos. Talvez. A reforma política (tanto anunciada e nunca cumprida) pode ser um caminho, mas somente um início. Mudar a ética de cada pessoa, de cada cidadão, de cada ser humano... essa é a tarefa primordial.
Em pleno século XXI ainda não foi feita uma divisão muito simples: Poder Supremo (que é exercido pelo povo diretamente ou por seus representantes) e Poder Derivado (que é exercido pelos detentores do poder econômico). No primeiro caso, em que a expressão do poder soberano é a vontade do povo, temos a democracia; no segundo, em que o poder soberano é exercido por um grupo, temos a oligarquia. Sempre fomos governados por oligarquias, vez ou outras mascaradas com uma nova roupagem. A roupagem da atual é o populismo.
Em pleno século XXI, esta distinção ainda não foi compreendida nos países subdesenvolvidos, em especial no Brasil. Quem sempre governou este país foram os proprietários de terras e os controladores dos meios de produção e financiamento, e dos meios de comunicação de massas. A dominação do capital financeiro e dos conglomerados transnacionais impedem a personificação do Estado Democrático de Direito, termo e mandamento que “abre” a Constituição Federal de 1988.
Ressaltemos: no sistema capitalista de produção e distribuição de bens, a conduta dos governantes é a reprodução da vontade dos detentores do poder econômico. As imunidades parlamentares, antes da última reforma constitucional, eram um instrumento mal utilizado por inescrupulosos politiqueiros. Talvez hoje ela tenha se tornado algo mais próximo de um instituto democrático. O que deve ser entendido é que nenhum governo está acima da lei, e sempre deve prestar contas ao povo. A prevalência do bem comum sobre os interesses particulares também deve ser respeitada sem exceções. O planejamento e a implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento nacional auto sustentado e o reconhecimento e a defesa dos grandes valores da democracia participativa, além do reconhecimento e defesa dos direitos da pessoa humana e de sua dignidade, que devem ser defendidos em qualquer esfera, em qualquer meio, em qualquer ato.
As imunidades vêm no sentido de garantir liberdade de atuação aos representantes do povo. Nesse sentido, ela será respeitada desde que o povo seja respeitado. Só há efetiva liberdade se houver efetiva igualdade entre os homens, sejam brancos, negros, de origem indígena, homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres.

CONCLUSÃO

 
A separação dos poderes tornou-se princípio fundamental da organização política após o liberalismo fundamentalmente, instituída até mesmo na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 16. O Poder Legislativo, cuja função é legiferante, tem como necessidade a previsão de diversas garantias para o bom e livre funcionamento do parlamento, podendo os exercentes de mandatos eletivos executar suas tarefas com a tranqüilidade necessária.
Nesse sentido é que se explica a inviolabilidade dos parlamentares, pela necessidade clara, prática e até mesmo institucional de que os parlamentares desempenhem suas funções com total independência e desassombro, sem temor de qualquer conseqüência (desde que sua atuação seja pautada pelo direito, pela justiça e pela ética), como requer o texto constitucional.
Diversos são os ordenamentos jurídicos que consagram regras sobre imunidades parlamentares, ora menos abrangentes, ora mais abrangentes, mas sempre visando defender o próprio parlamento, conforme os princípios da legalidade democrática.
Não é porque o parlamentar possui imunidades que poderá agir ao seu bel prazer. Ele deverá obediência irrestrita ao ordenamento jurídico pátrio. Deve sempre submeter-se ao império da lei, em especial da Constituição da República Federal do Brasil. O parlamentar representa o povo, exerce um cargo público eletivo, feito para defender as garantias fundamentais e toda a ordem constitucional vigente, para melhorar a vida das pessoas que constituem o Estado brasileiro. Por isso a imunidade aqui estudada não é feita para a prática de crimes, mas sim para a defesa do próprio povo, representado no Parlamento. Desvirtuações existem, porém devem ser combatidas pelo próprio Poder Legislativo, além do Poder Judiciário.
A sociedade também necessita que os membros da Magistratura e do Ministério Público desempenhem suas funções a contento, sem qualquer tipo de receio com relação aos atos que devam praticar, de ofício ou não. Nesse sentido é que possuem a garantia constitucional da vitaliciedade (após 02 anos de exercício no cargo), inamovabilidade e irredutibilidade de subsídio; ou seja: as garantias constitucionais dos parlamentares, magistrados e promotores de justiça são garantias inerentes do Estado Democrático de Direito.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
ARAÚJO, Luiz Alberto David & NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 9ª edição. São Paulo, Saraiva, 2005.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª edição, 3ª tiragem. São Paulo, Malheiros, 2004.

AZAMBUJA, Darci. Teoria Geral do Estado, 5ª edição, 4ª reimpressão. Porto Alegre, Globo, 1975.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6a ed. Coimbra, Livraria Almeidina, 1993.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Saraiva, 1991.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo, Globo/USP, 1970.

FREIRE, Aníbal. O Poder Executivo na República Brasileira. Brasília, Ed. UNB, 1981.

GARCÍA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado, 1a ed. Madrid, Alianza Universidad Textos, 1993.

HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, 1995.

MIRANDA, Jorge. Imunidades constitucionais e crimes de responsabilidade. Coimbra, Direito e Justiça, 2002.

MONTORO, André Franco. Da Democracia que temos para a Democracia que queremos. São Paulo, Paz e Terra, 1974.

MORAES, Alexandre. Curso de Direito Constitucional, 13a ed. São Paulo, Atlas, 2003.

NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos, 2ª edição. Bauru, Edipro, 2000.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo, Malheiros Editora, 1993.