segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ESSE NOVO CÓDIGO FLORESTAL...

A vegetação dos países é diferente; isso é óbvio para qualquer criança que começa a estudar geografia. Assim, cada país institui um determinado tipo de preservação ambiental, pois as situações e os tipos de florestas variam. Porém, não se chega a nenhum consenso sobre como se deve atuar nesse sentido. E a natureza paga caro por isso.

A ECO-92, a AGENDA 21, o PROTOCOLO DE KYOTO, são exemplos de instrumentos conjuntos sobre preservação ambiental, porém não foram efetivados a contento.

Acostumou-se a tratar as florestas com base em mudanças climáticas: pode desmatar porque o clima não muda; não pode mais desmatar porque o clima muda; pode desmatar, mas só um pouquinho... Ora, a regulação internacional muitas vezes é inventiva e o Brasil, que é a maior potência mundial no que tange a florestas (deixa os EUA, a Europa e a Ásia muito atrás), não dita regra nenhuma.

O caso ambiental brasileiro não pode ser gerido como se gerem os demais casos mundiais. Devemos pensar em um modelo de gerenciamento ambiental tipicamente brasileiro. É interessante notar que todos os instrumentos legais que foram desenvolvidos para tratar dessa temática – o gerenciamento ambiental brasileiro – quais sejam: o Estatuto da Terra (em 1964) e o Código Florestal (1965) são conflituosos. E o maior conflito atualmente é entre o uso da propriedade e a proteção ambiental.

O Brasil possui 06 tipos de Biomas: Amazônia, caatinga, cerrado, pantanal, mata atlântica e pampa. A mata atlântica foi praticamente destruída. A caatinga e o cerrado enfrentam sérios problemas há muitos anos. O pampa foi atacado pela agropecuária. O pantanal resiste bravamente e a Amazônia... Bem, a Amazônia é uma incógnita: não sabemos como ainda está viva.
O desmatamento no Brasil foi favorecido por razões primeiras de colonização. Os portugueses já começaram a desmatar a mata atlântica, que preponderava no litoral do Brasil, para ocupar com as primeiras construções, deixando visível para quaisquer outros povos que aqui se aproximassem de que havia “colonização”, e que a entrada poderia não ser amistosa. As demais razões foram política e econômica, sobretudo esta última. Insumos geram produção e esta mantém o capitalismo vivo (uma análise simplista, mas não incorreta). Ocorre que o capitalista deve ser o maior preocupado em preservar os insumos... porque do contrário acaba a matéria-prima que gera sua manufatura e riqueza.

O Brasil ou pensa a produtividade agrícola ou a proteção ambiental. Parece impossível pensar as duas coisas ao mesmo tempo. Os personagens dessa discussão deveriam ser os ambientalistas, os ruralistas, a comunidade científica, o Congresso e o próprio povo. Porém ninguém discute; todos se atropelam.

Poderíamos enumerar as principais falhas de todo esse processo. Primeiramente falta estratégia, planejamento e negociação entre as partes envolvidas. Não há diálogo, nem um ponto comum. Em segundo lugar, não se discute o fator social da questão da proteção ambiental e da produtividade agrícola. Ora, o Código Florestal não pode ser aplicado somente às áreas urbanas consolidadas! O homem, que é o centro disso não pode ficar de fora de uma análise mais acurada.

O projeto de novo Código Florestal propõe anistia a desmatadores que tenham agido até 22 de julho de 2008. Porque? Qual o motivo de levar o legislador a propor isso? Essa discussão é obscura demais... como é o legislador brasileiro em sua ESMAGADORA maioria. Vamos parar de tapar o sol com a peneira, como diz o dito popular.

Na verdade, somente podemos constatar que o Brasil, em razão de seus políticos e sim, pela omissão do povo, tornou-se um país antigo, retrógrado, autoritário e omisso – isso tudo ao mesmo tempo e em muitas ocasiões, em especial no que tange ao meio ambiente.

Para se ter um exemplo muito esclarecedor disso, o Congresso não dá a mínima para a opinião dos cientistas que analisam anos a fio as questões ambientais. Tratam o Meio Ambiente como se fosse somente política e economia, e nada mais. Ou seja, o nosso maior desafio é construir uma agenda ambiental democrática e social, pois o desenvolvimento não é somente quantitativo; também é qualitativo. Flexibilizar sobre a desculpa de regularizar é idiotice, haja vista que se flexibilizamos demais uma questão ambiental, acabamos por beneficiar quem infringe o espírito da lei.

Chega-se ao cúmulo de ver um código ruralista sendo apresentado por um comunista (sim, Aldo Rebelo é do PC do B, não é mesmo?), e assim se esvazia a discussão política em torno do novo código. A função do Congresso não é a de dizer como gerir os espaços públicos e a sociedade; a função do Congresso é dizer qual o modelo de país que nós queremos (por nós, eu quero significar POVO).

O atual debate político brasileiro é pobre, assim como são pobres os seus políticos e governantes (menos de dinheiro, é claro!). Cabe a essa atual e a futura geração construir isso, para arrumar o que “velhos idiocrátas” estão destruindo.  

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Tortura: bases dogmáticas, excludentes de ilicitude e de culpabilidade

Por David Pimentel Barbosa de SienaThiago Pellegrini Valverde

ResumoEste ensaio tem por finalidade propror um convite para uma primeira leitura e análise das bases dogmática-filosóficas a respeito da tortura. Busca-se delinear o seu campo, definindo-a e tratando das Fontes Internacionais de Direitos Humanos, sob aspectos teóricos e críticos da matéria. Por fim, analisa as causas excludentes de ilicitude e de culpablidade frente ao crime de tortura.
Palavras-chave: Tortura; Fontes Internacionais de Direitos Humanos; Causas Excludentes de Ilicitude; Causas Excludentes de Culpabilidade.
Abstract: This essay’s intention is offer an invite for a first reading and parsing of the philosophical-dogmatic bases of torture. It demands to outline its ground, treating and defining the International Sources of Human Rights, underneath theoretic and critical aspects of the theme. Concluding, it makes an analysis of the exclusionary causes of  culpability and illicitness against the torture’s crime.
Keywords:  Torture; International Sources of Human Rights; Exclusionary Causes of Illicitness; Exclusionary Causes of Culpability

1. A pessoa e o Direito

“Caiu um homem ao mar!
... Que importa? O navio segue adiante. (...)
Não há mais homens. Onde está Deus?
Chama. Alguém! Continua a chamar.
Nada no horizonte, nada no céu. (...)
Ó impiedosa marcha das sociedades humanas,
em que não se dá atenção aos homens e as
almas que vão se perdendo! Oceano que absorve
sem remédio tudo o que a lei deixa cair. (...)
O mar é inexorável escuridão social a que a
penalidade arremessa os seus condenados.
O mar é imensa miséria!
A alma que cai nesse redemoinho pode tornar-se
cadáver.
Quem a ressuscitará?”
(Lês Miserables, Victor Hugo)
O tema a ser tratado neste ensaio é a tortura. Antes, porém, devemos tratar de tudo o que circunda este ato – o de torturar.
O objetivo da tortura é infligir intenso sofrimento a uma pessoa, seja sofrimento físico, seja sofrimento mental, para a obtenção de informação ou confissão. A tortura, outrossim, é feita mediante atos físicos ou psicológicos, coercitivos e extremamente cruéis, desumanos e degradantes.
A pessoa – alvo da tortura – é a finalidade maior do Direito. O Direito existe para proteger o homem, em todas as suas acepções. Mais: o Direito existe para promover o homem. O homem é fim, não meio. O Direito deve tratá-lo como fim, não como meio.
A questão maior que o quadro acima descrito nos leva a pensar é que a tortura não é feita – como faz parecer a lei – para obter confissão ou informação contrariamente à vontade do torturado. A tortura é cometida porque o torturador (uma pessoa) tem profundo sentimento de desprezo por algumas pessoas, no caso os inimigos. Se o torturador enxergar em alguém um inimigo (mesmo que nunca o tenha conhecido ou com ele interagido), este receberá o seu desprezo.
E como ele despreza aquela vida diante de seus olhos, nada o detém. Enquanto uma ideologia de dominação ainda persistir no mundo, a tortura não terminará, porque o desprezo de um homem em face do gênero humano. É como se o torturador olhasse para o torturado em não enxergasse nele uma pessoa.
“Vejamos que a tortura por si só é totalmente desprovida de fundamento. Ricardo Rabinovich-Berkman faz um levantamento de que a tortura, em todos ordenamentos jurídicos inspirados no Direito Romano-Canônico, era utilizada como meio de obter confissão como meio de prova, pois, afinal, a confissão por muitos séculos foi considerada a rainha das provas; na verdade, como enfatiza Rabinovich-Berkman, “... la tortura se presentaba como una alternativa frente a la carencia de otros métodos de averiguación de la verdad”[1].*
A tortura então é um ato sem nenhum sentido humano. Não é ato de gente. Não está acobertado pelo Direito, não importa a situação, se de legalidade ordinária ou se de extraordinária. Não há regra jurídica que permita a conduta, e mesmo que esta exista, contraria a própria idéia de Direito – e aqui não há esforço hermenêutico capaz de transpassar essa barreira.
Enfim. Os seres humanos são seres espirituais (são inteligentes, tal qual também o são outros seres na natureza), mas, diferentemente de um cão, por exemplo, o homem é capaz de idealizar, de inventar, de criar e planejar[2]. Em sendo seres espirituais, o homem deve evoluir, no sentido de garantir a sua própria existência. Para evoluir, o homem precisa se realizar em sua plenitude, como indica Goffredo Telles Junior. E fará isso através dos bens espirituais, bens como o respeito à personalidade humana, o reconhecimento a uma igualdade essencial dos seres humanos, a garantia da liberdade física e de manifestar pensamento, a segurança da justiça, o reconhecimento da honestidade e o regime de legalidade das leis e do governo[3]. Estes bens espirituais são bens soberanos, porque são os únicos bens especificamente humanos e são ínsitos a todo e qualquer homem, pelo simples (por vezes banal) motivo: o de ser homem. Goffredo diz que tais bens são soberanos porque são bens do humano no homem[4].
Esses bens soberanos são positivados e recebem o nome de Direitos Humanos, que por natureza são bens subjetivos. Logo, temos permissões jurídicas para fruir bens soberanos. Tenho o DIREITO de fruir bens soberanos, tenho o DIREITO de exigir dos outros que respeitem meus bens soberanos. Tenho o DIREITO de exigir que as demais pessoas respeitem meus bens soberanos.
Obviamente entre estes bens soberanos se encontram a vida e a dignidade.
Toda pessoa – todo ser humano – tem direito à vida e à dignidade. São bens soberanos que temos o direito de fruir. Os direitos humanos nos fornecem permissões dadas por meio de normas jurídicas para usufruir bens tipicamente humanos.
Está muito claro que a proibição da tortura ocorre na legislação porque a finalidade do Direito é a preservação do homem e de todos os bens soberanos que os circundam. Como dissemos em outra oportunidade, toda norma é elaborada para atingir uma finalidade; o fim de toda expressão jurídica é o homem. O homem é o centro dos negócios, é o centro de toda emanação das três esferas de poder[5].
É o ser humano aquele que será ferido pela prática da tortura. Também é o ser humano que pode praticar a tortura. Engraçado que isso soa estranho... Porque aquele que tortura, em tese, um dia pode ser o torturado; neste dia ele entenderá a importância da proibição dessa prática desumana.
2. A prioridade da Justiça e o combate a tortura
Cícero dizia que é recorrendo à razão que a natureza aproxima o homem do homem, fazendo-os dialogar e viver em comum.
Algumas manifestações são no sentido de que Direito e Justiça são fenômenos distintos. É verdade, são diferentes. Mas se esquecem de que ambos somente podem caminhar juntos, e não separados. O Direito sem a Justiça não é nada além de um instrumento ditatorial, desumano e cruel. A Justiça sem o Direito não se instrumentaliza.
A verdade é que as Constituições, e em especial a brasileira, estão insuficientemente concretizadas juridicamente. Não é um mero problema de ineficácia de normas constitucionais, como já alertara Marcelo Neves[6]. A Constituição é tratada pelos “Donos do Poder” como uma simples promessa (que pode não ser cumprida), uma decoração, uma ficção, exatamente porque construída (e sempre foi assim) sem contato com a parte de baixo (o povo), mas somente com a parte de cima (os Donos do Poder).
Estas são umas das razões para que a tortura ainda seja meio largamente utilizada no Brasil pelo mais forte fisicamente ou pelo que tem qualquer tipo de poder fático sobre o outro.  É cristalino que nossa análise sobre o assunto é superficial – haja vista que sua ampla investigação resultaria em um compêndio – e não podemos extrair dessa conclusão o fato de que o torturador despreza o torturado.
Uma Constituição certamente trará no seu bojo um sentimento de justiça universal: irá pugnar pelo direito à vida, pela liberdade, pela igualdade, pela vida digna e pela dignidade humana... Até mesmo porque publicitariamente isso é bom para a imagem dos promulgadores ou outorgantes do texto constitucional. Mas uma constituição necessita ser implementada faticamente e isso somente ocorre com atos políticos, econômicos e sociais.
A tortura está proibida no texto constitucional brasileiro e talvez em boa parte dos textos constitucionais dos demais Estados políticos mundiais. A questão da proibição é sempre justificada sob uma perspectiva de justiça: é justo proibir, porque é injusto torturar, haja vista que todos os seres humanos – do ponto de vista constitutivo e espiritual – são iguais, mesmo que sua cultura e seus pensamentos sejam distintos.
Mas o Direito cuida do que é e do que não é moralmente condenável. Ronald Dworkin alega que pode ser errado violar uma lei porque o ato condenado por ela é errado em si mesmo, como roubar ou matar, ou pode ser errado mesmo que o ato condenado não seja errado em si mesmo, simplesmente porque a lei o proíbe[7].
Para nós não há segredo: a tortura é proibida pela razão maior de que quando os homens nascem não lhes é dado um poder inato, uma autoridade de vida e de morte sobre os demais de sua espécie. O Direito é a expressão da vontade das pessoas por meio de normas jurídicas impostas a todos. É expressão da vontade da maioria, pelo menos nos sistemas democráticos.
É justo combater a tortura porque ninguém possui autoridade suprema de vida ou de morte, de sofrimento ou de felicidade sobre os demais. Não sou eu que decido quem deverá ou não ser feliz, sofrer, ganhar ou perder. E sabemos disso sem ter que recorrer a nenhuma explicação mais detalhada, assim como sabemos que é injusto uma criança passar fome, alguém ser roubado, uma pessoa ser molestada sexualmente ou um assassino acabar com a vida de um seu semelhante. Se sabemos que tudo isso é injusto, mesmo sem a exatidão das ideias e das palavras, sabemos que a prática da tortura é injusta em si mesma porque demonstra um poder desmedido, que por natureza não temos. Não há mais o que se explicar.
A Justiça é prioritária em qualquer instrumento jurídico.
John Rawls afirma que o justo e o bem são complementares. Diz Rawls sobre a prioridade do justo e as concepções do bem:
“As instituições justas que ela exige e as virtudes políticas que encoraja não teriam razão de ser se elas se contentassem em autorizar modos de vida. É preciso igualmente que as encorajem como plenamente dignas do nosso devotamento. Ademais, é altamente desejável que a concepção política de justiça exprima a idéia de que a própria sociedade política possa ser um bem intrínseco – definido segundo a concepção política –, e isso para os cidadãos entendidos ao mesmo tempo como indivíduos e como corpo constituído”[8].
Não podemos torturar absolutamente nenhum ser humano em nenhuma hipótese simplesmente porque não estamos sós no mundo, e apesar de termos liberdade para muitas coisas, não temos liberdade para tudo, pois do contrário não haveria ordem e conseqüentemente a vida seria extinta.
Vejamos que a sociedade escolhe visões sobre as coisas; as Instituições fazem escolhas, as Universidades fazem escolhas e as pessoas individualmente consideradas fazem escolhas. Quando uma Faculdade ou um estudante faz uma escolha de um método de Direito, isso volta para a sociedade. Joaquim Falcão diz que esse vai e vem entre as ideias se chama progresso[9]. Em nenhuma dos métodos interpretativos do Direito a tortura encontra amparo. Nenhuma Instituição jurídica que se preze defende a utilização da tortura para o que quer que seja (pelo menos não de forma declaradamente aberta).
A tortura teve grande repercussão na época da Ditadura Militar ocorrido no Brasil entre 1964 e 1985. E aqui não há floreios: trata-se de uma ditadura, um governo golpista, que atinge o poder e determina tudo ao arrepio da ordem constitucional. Mas se engana quem pensa que a tortura morre com o fim do regime ditatorial. Ela ocorre ainda hoje, nos ambientes públicos e privados, perpetrada por agentes públicos e privados. A doutrina da segurança nacional da época da ditadura militar continua existindo. Marcelo Freixo alega que os inimigos do Estado antes eram os militantes de esquerda; hoje são os que sobram de uma sociedade de mercado, ou seja, os pobres[10].
Não nos enganemos: a tortura é utilizada como instrumento de controle de classe. Sempre foi assim. O dominante violenta o dominado – ora, a história é escrita por vencedores, não é mesmo? – e a verdade é que nenhum torturador do passado foi punido. Porque eles seriam punidos agora?
O co-autor deste artigo[11] é pesquisador colaborador da ONG Conectas Direitos Humanos, e em seu âmbito desenvolve juntamente com outros competentes colegas pesquisa sobre como o crime de tortura é analisado nos tribunais de justiça estaduais. Em uma visão geral, podemos afirmar que os acórdãos da grande maioria dos tribunais de justiça do país são mal redigidos, com falta de muitas informações relevantes, como por exemplo, o número de acusados pela prática de tortura quando a acusação é em face de agente público. O que vemos de forma geral, com exceções, é que agentes públicos dificilmente são punidos pela prática do crime de tortura na atualidade. As alegações são várias: a prova é difícil; é a palavra do ofensor versus a do ofendido; o crime foi de lesão corporal, não de tortura, etc. No passado não podemos confundir o crime de tortura com um crime meramente político; no presente e no futuro, não podemos confundir a tortura com a lesão corporal (esta é pressuposta na tortura física, afinal!), nem com outros crimes, como o de maus tratos ou de abuso de autoridade.
A tortura deve ser combatida porque é indigna, antijurídica e proibida expressamente em regras jurídicas e por vários princípios constitucionais, interpretados isolada ou conjuntamente.
3. Os direitos humanos não comportam relativizações
Os direitos humanos cumpriram, no nascimento do mundo moderno, uma função de legitimar as novas formas de vida burguesa, sem dúvida alguma. Porém, como bem assevera Marcelo Raffin, é inegável que abriram uma dupla via revolucionária no sentido de que cobra as promessas feitas e não cumpridas do mundo burguês[12].
Os detentores dos direitos humanos são os próprios humanos, e a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e a titularidade de direitos. Assim, os direitos humanos são universais e indivisíveis. Ademais, são interdependentes, ou seja, o seu reconhecimento é integral, pois não há direitos humanos mais ou menos válidos, haja vista que todos se equivalem e se complementam[13].
Afirmamos que os direitos humanos não são daqueles direitos passíveis de restrições, de relativizações. Não existem humanos mais humanos e menos humanos, assim como não existem raças superiores e inferiores. Isso não existe. Os direitos humanos não podem ser relativizados. A tortura, ou melhor, a proibição da tortura, é um direito humano fundamental outorgado a todos os humanos. Não há relativizações... O ser humano não pode ser torturado em absolutamente nenhuma hipótese.
4. Uma legislação simbólica
Muitos temas no Brasil são legislados de forma absolutamente simbólica. Uma legislação simbólica é aquela que tem por objetivo confirmar valores de determinados grupos inseridos na sociedade, além de assegurar a confiança nos sistemas jurídico e político de um povo.
Entretanto, como bem assevera Marcelo Neves, diante da insatisfação da sociedade, o que se cria na verdade é uma legislação-álibi, uma resposta rápida e pronta do Estado e do governo, tudo para fortificar a confiança dos cidadãos no respectivo governo ou no Estado de forma mais generalizada[14].
Nesse sentido, cria-se uma imagem de um Estado (ou um governo, dependendo da conotação política da legislação) que responde normativamente aos problemas reais da sociedade. Diz Marcelo Neves: “O legislador, muitas vezes sob pressão direta do público, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas”[15].
Essa legislação-álibi, como assevera Pedro Lenza, tem o “poder” de introduzir um sentimento de “bem-estar” na sociedade, solucionando tensões e servindo à “lealdade das massas”[16].
A Lei n. 9.455 de 1997 tem uma redação ruim (como milhares de outras leis brasileiras). Nasceu da pressão popular, especialmente das vítimas de tortura e seus familiares (já que muitas das vítimas de tortura da Ditadura Militar de 64-85 estão mortas ou “desaparecidas”), além da pressão de organismos internacionais, tais quais a ONU, a Anistia Internacional, a OEA, dentre outras. Nasceu a toque de caixa. Nasceu como uma legislação simbólica nos exatos termos descritos por Marcelo Neves.
Vejamos o que diz Marcelo Neves:
“Em face da insatisfação popular perante determinados acontecimentos ou da emergência de problemas sociais, exige-se do Estado muito freqüentemente uma reação solucionadora imediata. Embora, nesses casos, em regra, seja improvável que a regulamentação normativa possa contribuir para a solução dos respectivos problemas, a atitude legiferante serve como um álibi do legislador perante a população que exigia uma reação do Estado”[17].
Não punimos os torturadores da Ditadura Militar de 64-85; não ensinamos às nossas crianças a verdade sobre aquele regime (que parece, caiu no esquecimento da sociedade, que se preocupa mais com o próximo “paredão” do Big Brother...), não ensinamos nossas crianças na escola o valor do respeito ao próximo como valor fundamental de toda e qualquer sociedade democrática, os meios de comunicação também em nada auxiliam nesse sentido e o governo, bem, o governo se preocupa mais em se defender dos escândalos.
Na verdade, no Brasil há um bloqueio do sistema jurídico, pois falta concretização normativo-jurídica do texto de nossa Constituição, pois este texto (assim como outros textos legislados) também foi utilizado de acordo com interesses políticos, a despeito de seus inegáveis avanços sociais e democráticos.
Ao Judiciário – e é o que a sociedade espera dele – cabe a concretização e a implementação da efetividade das normas sociais.
5. Excludentes de ilicitude e de culpabilidade
Por razões ainda a serem devidamente esclarecidas, somente em 07 de abril de 1997 entrou em vigor a Lei 9.455, que definiu os crimes de tortura, regulamentado assim, o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal de 1988. No período anterior a edição do mencionado diploma legal a prática da tortura era rotineira em unidades policiais e prisionais. Contudo, após os episódios que se sucederam no Município de Diadema, localizado na Grande São Paulo, a sociedade civil e opinião pública ficaram estarrecidas com a persistência da adoção das práticas de tortura em um período que deveria ser francamente democrático.
Como bem assinalou Antonio Lopes Monteiro:
“Os tempos mudaram; a opinião pública internacional, as entidades particulares da sociedade civil organizada, e agora, de forma intransigente, a Igreja preocupam-se sobremaneira com a violação dos direitos humanos, e dentre estes a tortura merece atenção especial”[18].
E como toda lei penal que é editada de afogadilho, a Lei 9.455 está longe de ser o ideal. Em verdade, o referido diploma legal possui sensíveis imperfeições e lacunas, que devem ser preenchidas pelo aplicador da lei penal. Dentre todas, destacamos que o legislador penal brasileiro não tratou das hipóteses excludentes de ilicitude e culpabilidade frente ao crime de tortura.
Diante desta omissão legislativa, nos socorremos do artigo 5º, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, promulgada pelo Decreto n. 98.386, de 9 de dezembro de 1989, in verbis:
“Não se invocará nem admitirá como justificativa do delito de tortura a existência de circunstâncias tais como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o estado de sítio ou emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das garantias constitucionais, a instabilidade política interna, ou outras emergências ou calamidades públicas. Nem a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário podem justificar a tortura”.
A partir da interpretação dos tratados internacionais que versam sobre o tema, pacificou-se o entendimento na doutrina de que o direito a não ser torturado seria absoluto, sendo que nenhum interesse por parte do Estado, ou de quem quer que seja, justificaria a tomada de tal medida. Temos aqui, um direito que se sobrepõe a interesses tidos como superiores do Estado.
Ao analisar o art. 5º, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, Pablo A. Ramella brilhantemente asseverou que: “esta norma é significativa porque destrói o falso argumento de que, em caso de guerra, instabilidade política interna ou qualquer emergência pública, podem abater-se todos os direitos. Também, que a obediência devida cobre qualquer ação desumana”[19].
Nesta linha de raciocínio fica afastada a incidência de eventual causa de exclusão da ilicitude do crime de tortura. À luz da teoria unitária, considerada a adotada por nosso Código Penal, pouco importa se o bem protegido pelo agente é de igual ou maior valor daquele sacrificado. Assim, a configuração do estado de necessidade justificante (art. 24, do Código Penal) i.e. – como excludente de ilicitude ou antijuridicidade de – é totalmente rechaçada para a hipótese pela doutrina.
Ainda que fosse adotada a teoria diferenciadora, consagrada nos arts. 39 e 43 do Código Penal Militar brasileiro e no artigo 34 do Código Penal alemão (Strafgesetzbuch – StGB)[20], ao efetuar a ponderação dos direitos em conflito, não existiriam interesses políticos que justificariam a prática de tortura, pelo que o cometimento deste crime, além de ferir de morte a dignidade da pessoa do torturado, atinge a própria ideia de Estado Democrático e Social de Direito.
Todavia, ao pensarmos em hipóteses de extremíssima gravidade, em que se revela efetivo perigo concreto à vida de número indeterminado de pessoas, a tarefa da ponderação de interesse se torna mais árdua. Imaginemos situações hipotéticas como aquela suscitada por Mário Coimbra, em brilhante trabalho doutrinário:
“No caso do agente que instala diversas bombas que são detonadas em tempos diversos previamente demarcados por esse que, inclusive, avisa a polícia da hora exata da explosão, sem mencionar, contudo, os locais em que se encontram instalados os explosivos, culminando por causar inúmeras mortes”[21].
O caso exemplificado levanta uma questão tormentosa e de suma importância. O direito de não ser torturado sofreria algum contorno? Em casos limites, a exemplo, da situação exposta, os agentes públicos poderiam justificadamente praticar a tortura para proteger as vidas de um número indeterminado de pessoas? O artigo 5º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura poderia ser condicionado a hipóteses como a levantada?
Fica evidente que mesmo em casos de excepcionalidade, elencados a título exemplificativo no artigo 5º, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, a pratica de tortura não seria justificada. A mera ocorrência destas hipóteses fáticas de modo algum permite o cometimento do crime. Parece que o diploma internacional busca evitar, que a pretexto de um dos casos exemplificados no dispositivo citado, os agentes públicos se sentissem autorizados a não observância da norma que incrimina a prática de atos considerados como tortura. Neste contexto, o direito de não ser torturado deve permanecer incólume.
De modo algum é possível admitir como lícita a conduta do torturador, posto que a prática de tortura revela grave violação à dignidade da pessoa humana do torturado. A aplicação do estado de necessidade justificante estaria afastada, face ao valor dignidade da pessoa humana, que fundamenta a República Federativa do Brasil.
Não são outras as conclusões de Luiz Regis Prado, para quem:
“De conseguinte, é de todo aconselhável restringir o campo de abrangência do estado de necessidade justificante: este será uma causa de justificação quando o mal causado for menor que o evitado, desde que a conduta realizada não implique uma infração grave do respeito à dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana, como já destacado, possui significado constitucional, enquanto fundamento da ordem política e da paz social, figurando como um princípio material de justiça, de validez a priori, que representa um limite do Direito positivo”[22].
Contudo, adotando-se a teoria diferenciadora do estado de necessidade, e utilizando das técnicas de ponderação de interesses em conflito, seria possível admitir que a dignidade da pessoa do torturado cedesse lugar à preservação da vida de número indeterminado de pessoas humanas. Neste caso, se poderia admitir para a hipótese a configuração do chamado estado de necessidade exculpante – que exclui a culpabilidade do torturador. Não são outras as conclusões de Mário Coimbra, para quem: “embora não se possa admitir, na prática da tortura, a excludente de ilicitude, pela incidência do estado de necessidade justificante, em casos extremos, não pode ser afastada a excludente de culpabilidade, pela presença do estado de necessidade exculpante”[23].
Com a devida vênia, esta solução não parece a mais afinada com o valor da dignidade da pessoa humana. No problema enfrentado, caso fosse admitida a tortura, estaríamos admitindo a “coisificação” da pessoa do torturado. Ao ser submetido à tortura, o torturado deixa de ser visto como uma pessoa e passa a receber tratamento de um “meio”.
Sob a ótica do valor da dignidade da pessoa humana, que proclama que a pessoa deve ser vista e tratada como um fim em si mesmo, mas nunca como um meio, admitir a pratica da tortura, ainda que a pretexto de salvar um número indeterminado de pessoas, seria aceitar como não reprovável uma grave violação dos direitos da pessoa humana.
Consoante os ensinamentos de Eugenio Raúl Zaffaroni, depreendemos que:
“Tampouco pode medir-se os males, quando se trate de vidas humanas, pelo número das mesmas, posto que ainda que se usasse uma vida para salvar mil, sempre se estaria utilizando um homem como meio, e, com isso, se violaria a sua condição de pessoa, que exige a sua consideração invariável como fim em si mesma”[24].
Conforme acima apontado, se nem mesmo em casos de legalidade extraordinária (v.g. estado de guerra) justifica-se a prática de tortura, com muito maior razão argumento algum a justificaria sob a vigência de um estado de normalidade. Não se trata de menoscabo aos casos extremos que por ventura possam surgir, mas de prestígio ao direito de não ser torturado.
Conclui-se que aos agentes públicos, mesmo diante de um caso limite como o apresentado, não seria dada a utilização de uma pessoa como um “meio”, sendo que aqueles devem sempre buscar outros métodos de solução de conflitos menos gravosos, e que não importem em violação da dignidade da pessoa humana, para salvaguardar os interesses e as vidas humanas.

Notas:
[1] RABINOVICH-Berkman, Ricardo David. Derechos Humanos: Una introducción a su naturaleza y a su historia. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2007, p. 113.
* Tradução livre do texto em espanhol (“… a tortura se apresentava como uma alternativa frente à carência de outros métodos de averiguação da verdade”).
[2] TELLES JUNIOR, Goffredo. Estudos. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005, p. 170.
[3] Ibidem, p. 170.
[4] Ibidem, p. 170.
[5] VALVERDE, Thiago Pellegrini. Fontes do Direito, Hermenêutica Jurídica e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 115.
[6] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1.
[7] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 15.
[8] RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 327.
[9] Palestra proferida pelo Prof. Dr. Joaquim Falcão na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo no II Encontro WMF Martins Fontes de Filosofia do Direito ocorrido em 08/10/2011.
[10] FREIXO, Marcelo. “A tortura de ontem e de hoje”, in Revista Caros Amigos. São Paulo, edição especial n. 49, abril de 2010, p. 10.
[11] Co-autor Thiago Pellegrini Valverde.
[12] RAFFIN, Marcelo. La experiencia del horror: subjetividad y derechos humanos em las dictaduras y posdictaduras del Cono Sur. Buenos Aires: Editora del Puerto, 2006, p. 02.
[13] VALVERDE, Thiago Pellegrini. op. cit., p. 114.
[14] NEVES, Marcelo. op. cit. P. 36.
[15] NEVES, Marcelo. op. cit. P. 36.
[16] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76.
[17] NEVES, Marcelo. op. cit. P. 37.
[18] MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 77
[19] RAMELLA, Pablo A. Crimes Contra a Humanidade. trad. Fernando Pinto. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 75.
[20] Código Penal alemão: direito comparado. trad. Lauro de Almeida. 1ª ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1974.
[21] COIMBRA, Mário. Tratamento do Injusto Penal da Tortura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 146.
[22] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, v. 1, p. 367
[23] COIMBRA, Mário. op. cit. p. 146.
[24] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 512.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

IMUNIDADES E LIMITES DOS PARLAMENTARES - TEXTO REPUBLICADO, COM ALTERAÇÕES.


A história parlamentar do Brasil, que por óbvio faz parte da própria história política do país, tem início em 1500, com o descobrimento.

Na fase do Brasil Colônia, em nossas terras não desembarcavam “colonos” (como ocorreu nos EUA), mas sim empresários capitalistas, que daqui retiravam valores e exportavam para a Europa. Se um é empresário e o outro é escravo (relação de clivagem), desta relação não surge uma nação. A nação é um fenômeno de cultura; pressupõe sensação de pertencimento. Para tanto, basta a leitura da obra “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freire.

Em razão disso tudo, no Brasil sofremos do que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira-lata”; deslumbramos-nos com tudo o que vem de fora – o nacional é ruim, pois é fruto do vício (a devassidão sexual do início da colonização) e da barbárie. Todos querem enriquecer sem trabalhar: é a TRIBOFE. Construiu-se dois Brasil’s: um para os ricos e outro para os pobres.

Cidadania é expressão de homem que vive nas cidades, no meio urbano: o rurícola é deixado de lado pelo colonizador. O eleitor é eleitor municipal: se é cidadão onde se vive.

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O sistema brasileiro de imunidades parlamentares é contemplado pela CF/88, no seu art. 53, que mostra a relevância do assunto em questão. Não há dúvidas de que este é um assunto polêmico, que muitas vezes é motivo de indignação, razão pelo descrédito do povo no cenário político nacional.

No entanto, as imunidades parlamentares traduzem apenas um sinal de independência do Poder Legislativo; independência esta que significa a segurança do povo. Os parlamentares envolvidos por este escudo, podem assim exercer e desenvolver suas funções livres de qualquer razão que possa vir a comprometer o seu bom desempenho.                         

IMUNIDADES DOS PARLAMENTARES “LATO SENSU”

Imunidades parlamentares são situações funcionais que visam permitir aos parlamentares o exercício livre do mandato. Conforme bem explicita Jorge Miranda, irresponsabilidade e inviolabilidade são subcategorias da imunidade.

Tudo o que seja entendido como exercício do mandato, sua condição, complemento ou extensão é coberto pela inviolabilidade e assim, amplamente, deve ser interpretado, em cada caso concreto. Nem por isso admitir-se-iam ilícitos, deixemos claro.

Deputados e Senadores são as vozes do Parlamento. Estes são eleitos (nas Democracias) pelo voto popular – consequentemente são as vozes do povo.

A Constituição da República Federativa do Brasil consagra ambas as imunidades, irresponsabilidade e inviolabilidade, no art. 53, “caput”, tal como segue:

“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

As questões referentes às imunidades parlamentares foram substancialmente modificadas pela Emenda Constitucional n. 35, de 20/12/2001. As imunidades no Direito Brasileiro e, como paradigma, no Direito Lusitano, podem ser divididas em materiais e formais.

IMUNIDADE MATERIAL (FREEDOM OF SPEECH)

Esta consiste na inviolabilidade do parlamentar, tanto civil quanto penal, por suas opiniões, palavras e votos, definida pelo art. 53, “caput” da Constituição da República. Deve ser uma liberdade no exercício da FUNÇÃO PARLAMENTAR (não importa se está dentro ou fora do parlamento, com discussão para os vereadores).

Para Zaffaronni e Pierangelli as imunidades materiais são causas de atipicidade; para Pontes de Miranda e José Afonso da Silva são causa de excludente do crime.

IMUNIDADE FORMAL (FREEDOM FROM ARREST)

A imunidade formal dos parlamentares não foi extinta, mas sim modificada pela EC/35. Antes, o parlamentar era processado apenas após autorização da respectiva Casa. Hoje o quadro é diverso.

Após EC/35, o parlamentar precisa ser diplomado como tal para fazer jus à imunidade, nos termos do §2º do art. 53 da CF. Nos crimes anteriores à diplomação, ele responderá normalmente. Ocorrendo crimes de sua autoria posteriormente à diplomação, o processo terá tramitação normal, porém a Casa a qual o parlamentar pertença deve ser comunicada do processo e, por iniciativa de um partido político nela representado, pode por maioria absoluta, promover a sustação da ação penal, caso em que ficarão suspensos o processo e a prescrição.

O parlamentar, durante a vigência de seu mandato, não pode ser preso, salvo em flagrante por crime inafiançável, caso em que o auto de flagrante deverá ser remetido à Casa legislativa a qual pertença, que em 24 horas deverá deliberar sobre a manutenção da prisão.

IMUNIDADES DOS VEREADORES

Os vereadores (art. 29, VIII da CF) não possuem essa imunidade formal e a material é bem restrita (no exercício do mandato e na circunscrição do município). Há quem alegue        que não importa o local físico, mas sim o interesse do município (caso de vereador que fala na estação de rádio localizada em cidade diversa).

Os parlamentares municipais não possuem a prerrogativa de ter seus processos sustados pela Câmara Municipal (tal como ocorre com os parlamentares federais e estaduais).

OS SUPLENTES E AS IMUNIDADES

As imunidade não são extensíveis aos suplentes. Ponto final.

DA SUSTAÇÃO

Como aponta Vidal Serrano Junior e Luiz Alberto David Araújo, a possibilidade de sustação, pelo Partido Político, só pode ocorrer em crime cometido após a diplomação. No tocante aos crimes cometidos anteriormente não poderá haver a mencionada sustação, correndo normalmente. O foro especial por prerrogativa de função é algo que, conforme aponta Geraldo Ataliba, desagrada profundamente a Kelsen, uma vez que este considera ser o Judiciário um poder dotado de independência e condições de imparcialidade, nada justificando, hoje, processo especial para os parlamentares. No entender do chefe da Escola de Viena, isso teria cabimento nos tempos em que os órgãos judiciários dependiam do Executivo.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS IMUNIDADES E LIMITES DOS PARLAMENTARES

Fato muito comum no nosso cenário político é o afastamento de parlamentares por tempo indeterminado para exercerem o cargo de Ministro, Secretário de Estado ou Município. Vale ressaltar que, ao se afastar do cargo para o qual foi eleito, o parlamentar não manterá suas imunidades. Michel Temer aponta que o STF já decidiu que o licenciado não está no exercício do mandato e, por isso, dispensa-se a licença (imunidades).

Quanto às imunidades, aponte-se que elas não são perdidas durante o estado de defesa e o estado de sítio, mas sim podendo ser suspensas neste último, por deliberação de 2/3 dos membros da Casa respectiva, no caso de atos praticados fora do Congresso que sejam incompatíveis com a execução da medida.

Celso de Mello esclarece que o parlamentar somente terá imunidade em sua atuação – parlamentar ou extraparlamentar – desde que exercida (sua atividade) ratione muneris, ou seja, em razão do exercício do ofício congressual, do múnus que possui em razão do cargo.

                            As imunidades são irrenunciáveis, pois protegem exclusivamente um bem público, nos dizeres de Alexandre de Moraes, a Instituição. Os parlamentares são beneficiários das imunidades, mas não podem renunciar às mesmas, uma vez que visam o funcionamento livre e independente do próprio Poder Legislativo. Enquanto ocupar o cargo público, a imunidade adere ao parlamentar, mas não para protegê-lo, e sim para proteger o cargo, não a pessoa, uma vez que a pessoa física “parlamentar” é mero exercente de cargo, cuja titularidade, em última ratio é do próprio povo, que elege representantes.

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O rei sempre foi um símbolo. Se ele está doente, o país inteiro também está. Cada parlamentar avoca um pouco do poder que é do povo, para representá-lo bem. O que não pode tomar conta do Brasil, especialmente para aqueles que detêm uma parcela do poder, é a “ética da casa”, que Roberto DaMatta faz menção. Por “ética da casa” entenda-se colocar os interesses particulares à frente de tudo, somente reconhecendo direitos aos parentes, amigos ou quem contribua financeiramente com quem detém o poder. Aqui a imunidade não pode dar guarida.

 Em pleno século XXI ainda não foi feita uma divisão muito simples: Poder Supremo (que é exercido pelo povo diretamente ou por seus representantes) e Poder Derivado (que é exercido pelos detentores do poder econômico). No primeiro caso, em que a expressão do poder soberano é a vontade do povo, temos a democracia; no segundo, em que o poder soberano é exercido por um grupo, temos a oligarquia. Sempre fomos governados por oligarquias, vez ou outras mascaradas com uma nova roupagem.

Quem sempre governou este país foram os proprietários de terras e os controladores dos meios de produção e financiamento, e dos meios de comunicação de massas.

Ressaltemos: no sistema capitalista de produção e distribuição de bens, a conduta dos governantes é a reprodução da vontade dos detentores do poder econômico. As imunidades parlamentares, antes da última reforma constitucional, eram um instrumento mal utilizado por inescrupulosos politiqueiros. Talvez hoje ela tenha se tornado algo mais próximo de um instituto democrático. O que deve ser entendido é que nenhum governo está acima da lei, e sempre deve prestar contas ao povo.

CONCLUSÃO

Não é porque o parlamentar possui imunidades que poderá agir ao seu bel prazer. Ele deverá obediência irrestrita ao ordenamento jurídico pátrio. Deve sempre submeter-se ao império da lei, em especial da Constituição da República Federal do Brasil. O parlamentar representa o povo, exerce um cargo público eletivo, feito para defender as garantias fundamentais e toda a ordem constitucional vigente, para melhorar a vida das pessoas que constituem o Estado brasileiro. Por isso a imunidade aqui estudada não é feita para a prática de crimes, mas sim para a defesa do próprio povo, representado no Parlamento.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

THE COMMON GOOD, THE HUMAN AND HUMAN RIGHTS


Este texto já foi publicado aqui no Blog. Trata-se do "Bem comum, o Humanismo e os Direitos Humanos". Porém, dado o grande acesso verificado de leitores dos Estados Unidos da América, tomo a liberdade de reapresentar o mesmo texto em idioma inglês. Peço perdão pela tradução não tão perfeita.The theme set in the analysis is complex. 03 denotes divisions: the common good, humanism and human rights. Taken together, our task would probably be easier and is more comprehensive understanding. In the message of World Day of Peace on January 1, 1999, Pope John Paul II made the following comments:"On the occasion of World Day of Peace, let me share with you my conviction: when the promotion of human dignity is the guiding principle that inspires us, when the search for the common good is the overriding commitment, are to be placed solid foundations and for building lasting peace. In contrast, when human rights are ignored or neglected, when the demand for private interests unjustly prevails over the common good, then inevitably is to sow the seeds of instability, rebellion and violence. "
Humanism is a doctrine that arises explicitly anthropocentric perspective, looks at the man as the center of humanity. The first references about humanism emerged in antiquity, in ancient Greece. Socrates, for example, based all their ideas in human affairs, drawing on the best way of life for man. The man only act evil in ignorance. Unlike the Sophists, Socrates believed that the ability to discern right from wrong was the reason most people and in society.
Christian humanism is nothing more than unconditional respect for human integrity, in every sense: physical, mental and spiritual. Jacques Maritain teaches that the promotion of humanism is the development of the whole man and all men.Paul VI, inspired by the thought of Maritain developed Populorum Progressio.Humanism is the rescue of the human context, respect for the man in the entire whole, throughout their training.
The Stoics claimed that the demand for a morality should be done through observation of nature, to find the universal justice, found in natural laws and that would be understandable by all men, and human laws would be mere symmetry of natural law. The concept of humanism as a concept in which man occupies a central point in philosophical terms, that was first made by Cicero, who uttered the famous phrase humanist "to humanity, humanity is sacred."
In the Renaissance, the humanist idea takes a somewhat different direction. This raises the importance of living life with gusto. Leonardo da Vinci depicted the human race several times - became the central theme of his work, as the picture of the Last Supper, The Mona Lisa, Vitruvian Man, among others.
Important thought of Jacques Maritain for humanism, in "Integral Humanism":

"Humanism (...) essentially tends to make man more truly human, and express their original grandeur making him participate in anything that can enrich it in the nature and history (the world focusing on man and man dilating the world), it requires at the same time, that man develops the virtues contained in it, their creative forces of reason and life, and work to be done, the forces of the physical world, an instrument of their freedom. "

Humanism describes and interprets social reality, reflecting on the causes that led to his appearing and demand, from an analysis of the nature of man. This comes amid an earthly reality, a reality which did not opt ​​for this. Thus, the human being is born into a social world where, before he and the manifestation of his self, as is physical and spiritual suffering that entails. Man is to seek solutions to resolve the aggressive factors that cause such vices. It is the man with the ability to choose, freedom and allows you between good and evil. This is also known as free will.The evil that permeates the world is manifested from the moment when the man denies the natural liberty of his fellow humans by manipulating their free essence in order to satisfy their personal interests over the common good.
Since the common good is nothing more than seeking the good of all men, all members of the human race, the human race. Humanism recognizes the conditions of oppression that some humans settled in the world and see the need for a social ethic, a fight against the causes of this oppression that cause suffering in humans. The search for all human activity is good. In Aristotle's "Nicomachean Ethics", teaches that "Every art and every inquiry, and every action and every purpose, aim at some good."
As Gabriel Chalita teaches in "The Ten Commandments of Ethics", the purpose is good ethics, and discipline that the means to achieve good. The real aim of society is their common good, the common good of the social body, of human persons. This common good is the good life of the social whole, each being composed of matter and spirit.
The common good of a particular human group is their communion in good living, and is common to all parties. On pain of going against nature, the common good requires the recognition of fundamental human rights, and holds as a core value of access to higher likelihood of people to freedom intrinsic to each one to expand and evolve, as well as the manifestations of and which in turn comes from there and communicate. Comes from there, a first essential character of the common good, where this implies a redistribution to people and assist their development.The second basic point of the common good in society establishes its authority.
For the common good is available to all human beings, it is necessary that some entities, in particular, are endowed with authority to lead people toward this common good. This authority, invested with power by the people themselves, must seek the good of all. The final aspect concerns the intrinsic morality of the common good, which is characterized by uprightness of life and human integrity.
As extracted from Gabriel Chalita, justice and moral duty are fundamental to the existence of the common good, thus requiring the development of the virtues in human beings, and this time, every political act is unjust and immoral by nature, injurious to the common good and politically bad.
For Integral Humanism of Jacques Maritain, the philosophical basis of human rights is in its nature and is only possible if they understand these as expressions of natural law, grounded in human dignity, these rights established in a hierarchy, with the primary right of man to life.
Human rights are institutionalized set of rights and guarantees of human beings whose purpose is the basic respect for their dignity through their protection against arbitrary state power, and the establishment of minimum conditions of life and development of human personality, explicit as Alexandre de Moraes, in "Fundamental Human Rights."
Define human rights is an arduous task. And even if we succeed, will always be missing something. Human rights are, by nature, dynamic. Preserving the dignity of the human person is the main task of human rights.
José Castan Toben, quoted by Alexandre de Moraes, defines human rights as "those fundamental human rights, considered in both its individual and communal, that correspond to this because of its very nature (essence of body at the same time, spiritual and social) that must be recognized and respected by all power and authority, including the positive legal norms, yielding, however, in its exercise to the demands of the common good. "
In short, Christianity is to profess equality among men, determined to create a community spirit among the people, the duty to help and mutual respect and the recognition that every man is a person.From the Canon Law, civilized humanity is to lead to the realization that man can not be considered subject property. Over time, each nation was adopting a law according to the specific reality, but also incorporating the rights that have been achievements of humanity as a whole, as universal human rights and universal principles of human rights are those that can be accepted by all cultures.
With the advent of the period known as the Enlightenment, is expanding the notion of human rights and freedoms. Begins to move towards legal equality of human beings. And from the Declaration of Independence of the United States of America in 1776, is the first expression of rights, declaring independence for a new government being formed by the colonies united under the principle that tyranny is inadequate to the government of a free people.
Following the U.S. statement, the French Revolution proclaimed that all men are born and remain free and equal in rights, the Declaration of the Rights of Man and Citizen. This declaration affirmed the principles of equality and individual freedom, equality and civil tax, exemption from arbitrary arrest, freedom of speech and press, and the right to private property. In 1791, two years after the fall of the Bastille and based on these principles, France eventually abolish slavery black. It enshrines the principle that every man is a subject of rights and obligations.
Given the terrible human rights violations that occurred during World War II and the conclusion that the protection of these rights could not be restricted to the sphere of each State, the United Nations in 1948, described the meaning of human rights with the Universal Declaration of Human Rights, list of rights that has been adopted by the internal law of some Western states, including Brazil, whose constitution promulgated in 1988 has the dignity of the human person as the basis of their fundamental rights and guarantees.
Aproveitamo us again the words of Pope John Paul II:

"The dignity of the human person is a transcendent value, always recognized as such by all those who sincerely search for truth. In fact, the whole of human history should be interpreted in the light of this certainty. Each person created in the image and likeness of God (cf. Gen 1: 26-28) and therefore radically oriented towards the Creator, is constantly in relationship with those possessed of the same dignity. Thus, the promotion of good of the individual with the service to the common good, when the rights and duties converge and reinforce each other. "

And follows: 
"The defense of the universality and indivisibility of human rights is essential to building a peaceful society and for the integral development of individuals, peoples and nations. The universality and indivisibility of this statement does not exclude, in fact, legitimate differences of cultural and political activities of the various rights provided that you meet in each case the levels set by the Universal Declaration for all humanity. "
"The breakneck race to the globalization of economic and financial systems makes clear the urgent need to establish who must ensure the global common good and the performance of economic and social rights. Is that the free market by itself, can not do it, since there are many human needs which, in fact, have no access to the market. "Even before the logic of exchange of equivalents and forms of justice appropriate to it, there is something that is due to man because man, by virtue of his lofty dignity". "
Finally, through the humanistic studies and its improvement, it was what we today call human rights, which has no other aim than the pursuit of the common good, endorsed by making the protection and human dignity.