SEGUE TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA PROFERIDA NA UNIVERSIDADE IBIRAPUERA, DIA 16 DE SETEMBRO DE 2011, NO LANÇAMENTO DA OBRA FONTES DO DIREITO, HERMENÊUTICA JURÍDICA E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E ENCERRAMENTO DA SEMANA JURÍDICA DA INSTITUIÇÃO:
"Pensamos no PODER sempre como uma coisa; e se for COISA, podemos tê-lo e também perdê-lo.
Ocorre que o PODER também pode ser pensado como um comportamento. O PODER se encontra na política, na economia, no direito, na cultura, no amor, na ciência, e se vê na força, na violência, na resistência, na vitória, na fraqueza, no desamparo e na derrota.
Todo domínio desprovido de poder é frágil. Poder é sinônimo de força? Não, são fenômenos distintos, porém se relacionam, haja vista que a força é instrumento necessário ao poder, mas não é o fundamento do poder.
Quem detém poder são aqueles que têm a força necessária para fazer respeitar as normas que lhes emanam. Mas o que justifica o poder é o CONSENSO (ou CONTRATO). A força só é necessária para exercitar o poder.
Mas sabemos que o que regulamenta o exercício da força por quem detém o poder é o DIREITO.
Na verdade, o poder nunca foi força, mas sim controle. Desta forma, todo agente ou instituição que exerce poder o faz sempre a título de mandatário. Um filósofo muito influente dizia que o profeta é seguido por seus discípulos à medida que segue os discípulos. Você somente acredita em quem acredita em você.
Se a autoridade constituída de poder delegado pelos discípulos utilizar a força na medida em que exige o interesse público, temos uma sociedade em coesão. Mas, se a autoridade extrapola, a sociedade nunca estará coesa.
Assim, a violência é ambígua em si mesma, porque ao mesmo tempo em que sustenta uma ordem social, pode também destruí-la.
O DIREITO não tutela o uso errado, desumano e violento do PODER.
Porém, na prática, não é isso o que observamos.
Visualizamos um pequeno número de pessoas utilizando-se do Direito como instrumento de dominação de um homem sobre o outro.
Só que o DIREITO está estruturado de forma unilateral na maioria das ordens jurídicas presentes. Tentamos aplicar novas ideias em cima de antigos testamentos. O campo do ensino jurídico contribui para esse quadro, pois ainda não se construiu um modelo de ensino jurídico que supere a leitura, a simples leitura, de códigos e leis comentadas, como observa LENIO LUIZ STRECK.
O positivismo jurídico que impera desde meados do século XX já está ultrapassado e não corresponde mais as nossas necessidades.
O jurista opera com uma técnica que é a norma. Mas os direitos são históricos e mudam conforme a época; são lutas sociais que conquistam direitos. A divisão muito grande entre o DIREITO e as demais ciências proposta pelo positivismo está superada.
Ora, a ciência não pode ser vista de forma pré-concebida, pois toda a verdade da ciência é uma verdade precária. Pode mudar com o tempo.
KELSEN dizia que o direito era uma teoria que não podia se ocupar de nenhuma outra teoria que não fizesse parte do próprio direito. O ideológico, o político, o sociológico, etc., não formariam o direito. Uma coisa era fazer política e a outra coisa era fazer ciência do direito; o problema é que o direito é a conformação da decisão política!
A grande contribuição de KELSEN para o DIREITO foi o fato de dessacralizá-lo. O DIREITO para a ser visto como criação humana. As normas jurídicas, nesse sentido, são juízos hipotéticos ou condicionais: se você passar para este lado, acontecerá tal coisa. São juízos de imputação, por isso são juízos de um DEVER SER.
Em KELSEN, a moral é autônoma em relação ao DIREITO. Logo, todo problema de legitimação do DIREITO fica fora da ciência do direito, sendo analisado em outros locais, como a FILOSOFIA DO DIREITO, por exemplo.
Ocorre que o DIREITO tem uma unidade lógica, um caráter sistemático, e as normas que o integram estão conectadas umas as outras. O positivismo kelseniano acaba defendendo que o DIREITO é apenas estrutura lógica. Mas, o DIREITO também é estrutura política, econômica e social. As sociedades criam os indivíduos, pois estes nascem nesta sociedade e sofrem a influência dela – somos FORMATADOS pela sociedade.
Os problemas da TEORIA GERAL DO DPIREITO sempre são problemas relativos a princípios morais, e não meros problemas de estratégias ou de fatos jurídicos que ocorreram desta ou daquela forma.
Assim, a forma com a qual interpretamos o DIREITO é o principal a ser estudado nas CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS. Este é o principal assunto, porque é ele que faz toda a diferença. Uma lei imperfeita pode ser corrigida por uma interpretação. Mas não pode ser qualquer tipo de interpretação.
Hoje se utiliza uma interpretação que privilegie determinados grupos ou interesses. A interpretação raramente é feita de forma a ter o homem como o centro de tudo e como o fim de tudo. O homem é só o meio: o meio para obter riqueza e poder. Isso está errado.
Toda interpretação que despreza o homem como ser pensante e possuidor de direitos e deveres globais e que exclua deste - pelo motivo que for - seu direito a ser tratado dignamente, por mais indigno que tenha sido um ato seu, é uma interpretação fadada ao fracasso. Não ao fracasso de objetivo jurídico, mas sim à falência da espécie humana, que cada vez mais fica mais e mais intolerante.
O ensino jurídico ainda está atrelado a uma tradição; ser tradicionalista não é ruim, porém quando repudia novas formas de pensar o resultado disso é catastrófico. As escolas devem estar abertas a uma reflexão que seja capaz de mostrar o mundo jurídico como uma construção de impacto na vida das pessoas, como diz JOSÉ GARCEZ GHIRARDI.
A conclusão disso tudo é a de que reinterpretar o DIREITO somente será possível quando reinterpretarmos o próprio homem."
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